quarta-feira, 3 de março de 2021

EM SÍNTESE

 


Anda um espectro pela Europa — o espectro do Comunismo.

I

A história de toda a sociedade até aqui é a história de luta de classes.
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A burguesia desempenhou na história um papel altamente revolucionário.
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A burguesia submeteu o campo à dominação da cidade. Criou cidades enormes, aumentou num grau elevado o número da população urbana face à rural, e deste modo arrancou uma parte significativa da população à idiotia da vida rural. Assim como tornou dependente o campo da cidade, tornou dependentes os países bárbaros e semibárbaros dos civilizados, os povos agrícolas dos povos burgueses, o Oriente do Ocidente.
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Na mesma medida em que a burguesia, isto é, o capital, se desenvolve, nessa mesma medida desenvolve-se o proletariado, a classe dos operários modernos, os quais só vivem enquanto encontram trabalho e só encontram trabalho enquanto o seu trabalho aumenta o capital.
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Se a exploração do operário pelo fabricante termina na medida em que recebe o seu salário pago de contado, logo lhe caem em cima as outras partes da burguesia: o senhorio, o merceeiro, o penhorista, etc.
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A burguesia acha-se em luta permanente: de começo contra a aristocracia; mais tarde, contra os sectores da própria burguesia cujos interesses entram em contradição com o progresso da indústria; sempre, contra a burguesia de todos os países estrangeiros. Em todas estas lutas vê-se obrigada a apelar para o proletariado, a recorrer à sua ajuda, e deste modo a arrastá-lo para o movimento político. Ela própria leva, portanto, ao proletariado os seus elementos de formação próprios, ou seja, armas contra ela própria.
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As condições de vida da velha sociedade estão aniquiladas já nas condições de vida do proletariado. O proletário está desprovido de propriedade; a sua relação com a mulher e os filhos já nada tem de comum com a relação familiar burguesa; o trabalho industrial moderno, a subjugação moderna ao capital, que é a mesma na Inglaterra e na França, na América e na Alemanha, tirou-lhe todo o carácter nacional. As leis, a moral, a religião são para ele outros tantos preconceitos burgueses, atrás dos quais se escondem outros tantos interesses burgueses.
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O proletariado, a camada mais baixa da sociedade actual, não pode elevar-se, não pode endireitar-se, sem fazer ir pelos ares toda a superstrutura das camadas que formam a sociedade oficial.

II

O objectivo mais próximo dos comunistas é o mesmo do que o de todos os restantes partidos proletários: formação do proletariado em classe, derrubamento da dominação da burguesia, conquista do poder político pelo proletariado.
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O que distingue o comunismo não é a abolição da propriedade em geral, mas a abolição da propriedade burguesa.
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O capital não é, portanto, um poder pessoal, é um poder social.
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Queremos suprimir apenas o carácter miserável desta apropriação, em que o operário só vive para multiplicar o capital, só vive na medida em que o exige o interesse da classe dominante.
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Horrorizai-vos por querermos suprimir a propriedade privada. Mas na vossa sociedade existente, a propriedade privada está suprimida para nove décimos dos seus membros; ela existe precisamente pelo facto de não existir para nove décimos. Censurais-nos, portanto, por querermos suprimir uma propriedade que pressupõe como condição necessária que a imensa maioria da sociedade não possua propriedade.
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O comunismo não tira a ninguém o poder de se apropriar de produtos sociais; tira apenas o poder de, por esta apropriação, subjugar  si trabalho alheio.
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Estas medidas serão naturalmente diversas consoante os diversos países.
Para os países mais avançados, contudo, poderão ser aplicadas de um modo geral as seguintes:
1. Expropriação da propriedade fundiária e emprego das rendas fundiárias para despesas do Estado.
2. Pesado imposto progressivo.
3. Abolição do direito de herança.
4. Confiscação da propriedade de todos os emigrantes e rebeldes. (Latifundiários e capitalistas, em geral fugidos para o estrangeiro, sabotando a economia.)
5. Centralização do crédito nas mãos do Estado, através de um banco nacional com capital de Estado e monopólio exclusivo.
6. Centralização do sistema de transportes nas mãos do Estado.
7. Multiplicação das fábricas nacionais, dos instrumentos de produção, arroteamento e melhoramento dos terrenos de acordo com um plano comunitário.
8. Obrigatoriedade do trabalho para todos, instituição de exércitos industriais, em especial para a agricultura.
9. Unificação da exploração da agricultura e da indústria, actuação com vista à eliminação gradual da diferença entre cidade e campo.
10. Educação pública e gratuita de todas as crianças. Eliminação do trabalho das crianças nas fábricas na sua forma hodierna. Unificação da educação com a produção material, etc.

III

Assim como os padres andavam sempre de braço dado com os feudais, assim também o socialismo clerical com o feudalismo.
Nada mais fácil do que dar ao ascetismo cristão uma demão socialista. Não bradou também o cristianismo contra a propriedade privada, contra o casamento, contra o Estado? Não pregou em vez deles a caridade e a pobreza, o celibato e a mortificação da carne, a vida monástica e a Igreja? O socialismo cristão é apenas a água beta com que o padre abençoa a irritação do aristocrata.
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Nos países em que a civilização moderna se desenvolveu, formou-se uma nova pequena burguesia, a qual paira entre o proletariado e a burguesia e constantemente se forma de novo como parte complementar da sociedade burguesa, e cujos membros são constantemente atirados pela concorrência para o proletariado, vêem mesmo, com o desenvolvimento da grande indústria, aproximar-se um momento em que desaparecerão por completo como parte autónoma da sociedade moderna e serão substituídos no comércio, na manufactura, na agricultura por capatazes e criados. (…) Formou-se assim o socialismo pequeno-burguês. (…)  Ele é simultaneamente reaccionário e utópico.
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O socialismo da burguesia consiste precisamente na afirmação de que os burgueses são burgueses — no interesse da classe trabalhadora.

IV

Proletários de todos os países, uni-vos!
 
   Excertos do Manifesto do Partido Comunista (5.ª edição, Editorial Avante, 1997), de Karl Marx e Friedrich Engels, publicado pela primeira vez em Fevereiro de 1848. Passados 173 anos, importa ter em conta algumas transformações sociais. A despeito das importantes conquistas do proletariado (8 horas de trabalho diárias, valorização das mulheres, eliminação do trabalho infantil, escolaridade obrigatória, direito a folgas e férias, etc) importa hoje repensar quem compõe a classe operária moderna. É preciso (re)caracterizar estas pessoas, sobretudo, na relação que mantêm com a propriedade e o capital. A ambição de ter que leva ao endividamento, para comprar carro, casa, telemóvel, internet, etc, não terá transformado o proletariado dos países desenvolvidos em pequenos burgueses?
   A mão de obra mais explorada e miserável não é, hoje, nestes países, composta em grande parte por imigrantes fragilizados na reivindicação dos seus direitos? Num mundo globalizado, como gerir estas assimetrias que condenam à fome a maioria que sustenta a opulência duma minoria? 
   Outro aspecto importante a reflectir é o papel desempenhado pela pequena burguesia (opressores ou oprimidos?) neste novo teatro social em que lobistas e influenciadores adquirem protagonismo massivo, uns vendendo produtos (próprio corpo incluído), outros comercializando ideias (conteúdos?), outros simplesmente promovendo sonhos e utopias mais ou menos perigosos para o bem comum, indiferentes a um meio ambiente global que lhes parece distante no espaço e no tempo. Como identificar exploradores e explorados num contexto económico onde uma grande parte da riqueza é gerada num plano virtual (mercado financeiro, novas tecnologias, etc)?
   E talvez mais ainda importante seja começar por desmontar o mito do discurso publicitário e sedutor do capital opressivo, que, acenando a bandeira do empreendedorismo (vide sonho americano), subjuga uma caterva de escravos voluntários alimentados por um arrivismo acéfalo, insensível às misérias sociais, despejado de qualquer impulso solidário, indiferente às desigualdades , encarando-as como uma fatalidade, e à forma como a riqueza é distribuída (desde que lhe caia algum no bolso).

3 comentários:

Transhümantes disse...

Cuidado com estas "coisas" que pões aqui, olha que ainda és atacado por uma nova extirpe de chatos mais contagiosa ainda que aquela que outros te habituaram.
Eu não ligo nada a sondagens porque elas são feitas por quem são da maneira que são. São sondagens Sansão, servem para os crentes obstinados fazerem de juízes e brincarem à economia da especulação.
Mas desta vez, e depois de ter lido aqui os excertos, fui ver os número e comparei estupidamente os valores das mortes do cócó-19 com o número de milionários em portugal. Parece que há quase 10 vezes mais milionários nesse país do que mortos pelo vírus. Tirando conclusões estupidamente sérias como se tiram das estatísticas, eu diria que estamos debaixo de uma pandemia de milionários e muito mais perigosa porque um milionário sozinho mata mais e pode durar também muitos anos ao contrario de um pobre vírus que "morre" (os vírus não morrem porque não são seres vivos) com o seu hóspede.

Se calhar há que decretar um estado de excepção para exterminar o "vírus do milionário" que é altamente contagiosos e mortíferos... daria para dizer muito mais mas isto é só uma caixa de comentários.

Tudo de bom e cuidado com eles!

Abraço.

hmbf disse...

Que me podem fazer? Sou um fantasma.

Transhümantes disse...

Ahahahah muito bom!

Esqueci-me de pôr hóspede entre aspas...Afinal nós humanos é que somos os hóspedes...eles são hospedeiros. Como dizia o outro "Independentemente de mim, cresce a erva, chove na erva que cresceu ou vai crescer; erguem-se os montes de muito antigamente, e o vento passa com o mesmo modo com que Homero, ainda que não existisse, o ouviu."

Não perturbo mais.

Salud!