Ansiedade e insónia, maleitas antigas que a idade e o ar dos tempos têm ajudado
a mitigar. Com a idade, a gente aprende a relativizar a gravidade dos
problemas. Com o ar dos tempos, cravejado de problemas, a gente vê-se na obrigação
de ficar selectivos e criteriosos, usando de esperteza para encontrar remédio
onde outros vislumbram aflição e motivo para angústia.
Por via de confinamentos, emergências e calamidades, recolhido no lar,
dei comigo a navegar num mar de especialistas que sobre tudo peroram e sobre
nada calam. Um que apareça a concluir “não sei”, e a gente alça as orelhas como
canídeo expectante. Não sabe? Como é possível? Hoje toda a gente sabe tudo. Que
raio, alguém assumir um pouco que seja de ignorância onde a genialidade, ao
contrário do bom senso, parece ser a coisa mais bem distribuída do mundo.
Portanto, em terra de génios quem ignora é rei. A ignorância ressuma
excepcionalidade. Apercebi-me disto, pela primeira vez, quando era livreiro,
tantos os pais e as mães e os tios e as tias que me pediam sugestões para os
seus meninos. Questionados sobre a idade dos petizes, lá vinha o “mas”
sublinhando espantosas qualidades: 5 anos, mas muito desenvolvido para a idade;
8 anos, mas já parece que tem 15; 15 anos, mas de uma maturidade inaudita. Como
podia eu saber, ou sequer imaginar, ser este um país de gente sobredotada? A
gente olha à volta e não se nota, vê-se ao espelho e foge.
«Quantos deve haver no mundo que fogem de outros porque não se vêem a si
mesmos!», exclamava o bom Lazarinho de Tormes. E com razão. Quase 500 anos
passados sobre as desventuras desse maltrapilho, eis-nos chegados ao Portugal
dos tudólogos. São uma bênção, um conforto para a alma dos néscios e um consolo
para o espírito dos estúpidos. Inda há dias, contava a um bom amigo, cozinheiro
de profissão, dos efeitos benditos que fui descortinar na melhor das tisanas, a
programação de tudologia disseminada por 500 canais televisivos ao dispor de precatados
cidadãos. Até o Porto Canal tem os seus. Não lhes fixei o nome, que para tais
fármacos as farmácias não exigem receita detalhada, mas há por lá um rapaz, que
aparecia a comentar bola e agora aparece a comentar tudo, que é tiro e queda. Mal
o escuto, ferro-me a dormir.
Entre ancestrais e anciãos, os do “Eixo do Mal” poupam-me milhares em
benzodiazepinas. Aurélio, Oliveira, Marques Lopes, Luís Pedro Nunes e Clara
Ferreira Alves? Benza-os Deus e todos os santinhos. Não os escuto há 10 minutos,
já a mulher fecha a porta da sala para não me ouvir roncar. Em bom rigor, acordo
assim que os ditos se calam, as vozes dos tudólogos devem produzir um feitiço
qualquer, são um poderoso soporífero pelo qual devemos sentir-nos agradecidos.
Não sei se curam covid-19, embora tudo saibam acerca do tema, mas insónias
curam. Sou a prova factual disso mesmo. A família não me deixa mentir. Se me
queixo de sono, noites mal dormidas, buscam na box um desses programas e
abandonam-me na sala, deitado na sofá, como a um viciado numa casa de ópio.
Num destes fóruns, na SIC Radical, é suposto expurgarem-se irritações
semanais. Aquilo é de uma eficácia inacreditável. Anda por lá uma Carla Hilário
Quevedo que é música “new age” aos meus ouvidos, ouvi-la é como se alguém
soprasse ao ouvido, muito baixinho e serenamente, delicadamente, descansa
filho, descansa, vem aí soninho bom e descansadinho, tranquilo. Ela abre a
boca, eu fecho os olhos. O nome do meio até lhe fica mal.
Devo pois um sincero reconhecimento a toda essa malta do comentário universalista,
os tudólogos, sábios imprescindíveis a um sono relaxado. Melatonina? “Eixo do
Mal”, “Governo Sombra”, “Irritações”, “O Último Apaga a Luz” (nome mais
pertinente para um programa congénere não há)... Meus queridos e impagáveis
tudólogos, envio-vos daqui um abraço sincero de profunda gratidão. O sono que
me causam é proporcional à simpatia que vos tenho. Muita.
Henrique Manuel
Bento Fialho
Caldas da
Rainha, 05/Maio/2021
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