É um poeta a redescobrir, o autor da Retábulo das Matérias. Em 1984 publicou um livro de poemas muito curtos, por vezes aforísticos, intitulado Dentro de Momentos. Sei de cor o 29: «Aquele que não ama nem odeia, / por não ferver, azeda como o leite.» É dos poucos poemas que sei de cor. Desconfio que o terei decorado por me oferecer o que outros não oferecem. Ficou. Pedro Tamen foi poeta e tradutor, licenciado em Direito. Com Alçada Baptista, dirigiu a editora Moraes entre 1958 e 1975. Estreou-se na poesia, em 1956, com Poema para Todos os Dias:
1
Não há mais céu
se ele não cai
humilde acaso
no seu lugar.
Não há melhor
nem som mais puro
que o natura
dos nossos olhos.
Não vale a pena
fazer brinquedos
se as nossas mãos
são de criança.
Depois de abandonar a Moraes,
foi vogal do Conselho de Administração da Fundação Calouste Gulbenkian durante
25 anos. Além de poesia, escreveu crítica literária. Na História da Literatura Portuguesa, de A. J. Saraiva e Óscar Lopes, lemos
que «enveredou em O Sangue, a Água e o
Vinho, 1958, por experiências de explosão sintáctica e analogias
paronímicas que deram os seus melhores frutos em Primeiro Livro de Lapinova, 1981». É deste o seguinte poema:
31
Agora me esperas, de novo me
esperas,
teu peito, teu rosto, e os braços que dizem
o segredo das folhas e o tempo da vida.
Aberta, exarada, esperas,
imperas,
ainda e diferente; nos pés que nos pisem
já passa outra vez chegada e partida.
Agora eu também, calado e
refeito,
de novo te espero e escrevo nas horas
dos dias diurnos, das noites nocturnas,
a boca e o nome; e espero e
aceito,
mas tremo tremente. Ó porto onde ancoras,
ó praias cobertas, ó docas, ó furnas!
Eu espero, tu esperas, e assim
é que estamos;
Agora sabemos que é a nós que esperamos.
Referindo-se a esta poesia,
Joaquim Manuel Magalhães afirmou que «sem qualquer espécie de acentuação da
recusa da pessoalidade, que conduziu o nosso século a alguns dos mais
hiper-pessoais discursos poéticos por via da impessoalidade rebuscada, Pedro
Tamen constrói uma neutralização da confessionalidade e do excesso
subjectivista por uma insistência no facto de as palavras serem mais suportes
conceptuais do que impulsos designativos de intimismos» (ver aqui). Em Óscar
Lopes lemos ainda que «Em vários excelentes poemas está no prosseguimento feliz
dos acertos que Nemésio, já instruído pelo surrealismo, atingia através da
recuperação de certo ludismo verbal infantil, entre uma ingenuidade de elipse e
transgressão semântica ou sintáctica, que chega a distinguir as categorias
morfológicas verbais, e uma reflexão densamente sentenciosa». Em 1995, o
Círculo de Leitores publicou-lhe Tábua
das Matérias – Poesia 1956/1991, onde além de grande parte da obra edita surgiam
alguns Inéditos e Esparsos
(1965-1991). Entre eles, este:
PROVA GERAL DE ACESSO
O gesto pedregoso que me apaga
o lume
dos olhos, do vigor e de outros gestos,
pois que mão o desenha, e donde vem,
que vento o vivifica, ou de que lixo
emana, morno, inacessível cheiro?
Que força quebra o sangue atrás da pele?
E que ou quem em lágrimas de luxo
converte o sal branquíssimo e vero
que sazonou os anos?
Caio, verto
o ar já respirado no funil de esgares,
imito o que imitei e espero por saber,
mas já sabendo embora que o momento
auroreal e fulvo em que enfim saiba
a solução
será soluço apenas, saber nada.
(1991)
se ele não cai
humilde acaso
no seu lugar.
Não há melhor
nem som mais puro
que o natura
dos nossos olhos.
Não vale a pena
fazer brinquedos
se as nossas mãos
são de criança.
teu peito, teu rosto, e os braços que dizem
o segredo das folhas e o tempo da vida.
ainda e diferente; nos pés que nos pisem
já passa outra vez chegada e partida.
de novo te espero e escrevo nas horas
dos dias diurnos, das noites nocturnas,
mas tremo tremente. Ó porto onde ancoras,
ó praias cobertas, ó docas, ó furnas!
Agora sabemos que é a nós que esperamos.
dos olhos, do vigor e de outros gestos,
pois que mão o desenha, e donde vem,
que vento o vivifica, ou de que lixo
emana, morno, inacessível cheiro?
Que força quebra o sangue atrás da pele?
E que ou quem em lágrimas de luxo
converte o sal branquíssimo e vero
que sazonou os anos?
Caio, verto
o ar já respirado no funil de esgares,
imito o que imitei e espero por saber,
mas já sabendo embora que o momento
auroreal e fulvo em que enfim saiba
a solução
será soluço apenas, saber nada.
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