quarta-feira, 28 de julho de 2021

JOHN CLARE


 

   Nasceu em Helpston, este The Northamptonshire Peasant Poet. Começou a trabalhar na agricultura ainda em criança, depois foi garçon no bar Blue Bell. Também trabalhou como jardineiro, acampou com ciganos, foi queimador de cal. De saúde precária, mal alimentado, socorreu-se nas paróquias locais. A leitura de The Seasons, de James Thomson, levou-o a escrever os primeiros poemas. Em 1820, sai o seu primeiro livro: Poems Descriptive of Rural Life and Scenery. Não podia ter um título mais adequado. É precisamente isso o que caracteriza grande parte da poesia do primeiro dos três bardos antologiados e traduzidos por Ricardo Marques em Três Bucólicos Ingleses (Elysium, Setembro de 2020), uma poesia descritiva da vida rural, com suas cenas, paisagens, lugares, pessoas, trabalhadores, com sua fauna e flora, as Lebres a brincar, A raposa, a Névoa nos prados, os Estudantes no Inverno.
   Clare foi muito elogiado pelos seus poemas iniciais. Casou-se nesse mesmo ano de 1820. Dividido entre os saraus literários londrinos e o analfabetismo da vizinhança, passou por graves momentos de depressão. Perdeu a aura inicial, afogou-se em álcool, procurou refúgio num asilo para doentes mentais. Dizia-se Lord Byron, dedicando-se a reescrever os poemas deste. Também dizia ser Shakespeare, o génio da Renascença, mas no magnífico poema Eu sou!, incluído na antologia de Marques, é perceptível a frustração: «Eu sou o que se consome com os seus problemas». Sentia-se desprezado e abandonado pelos amigos. Fugiu do asilo em 1841, caminhando 130 km na direcção de casa. Voltou a ser internado num hospital psiquiátrico: «To the enquiry "Was the insanity preceded by any severe or long-continued mental emotion or exertion?", Dr Skrimshire entered: "After years of poetical prosing."» Eu sou!, o poema, foi escrito nesta altura, em pleno internamento.
   Morreu com um acidente vascular cerebral no dia 20 de Maio de 1864. Do bucolismo inicial à soturnidade espiritual no termo da vida, John Clare revela-se um poeta mais complexo do que possa parecer à primeira vista. Entre os poemas traduzidos por Ricardo Marques, há vários que merecem ser lidos com atenção. Deixo um:
 
Humores de Verão
 
Eu adoro andar sozinho ao lusco-fusco
pelas ruas estreitas, cheias de espinhos orvalhados
onde debaixo da erva crescida o caracol
azeviche se arrasta e faz sair as tímidas antenas
Gosto de meditar sobre outros prados recém-cortados
onde a erva caída o ar abafado incensa
onde as abelhas buscam com ar triste e cansado
em vão flores recém-nascidas, acabadas de florescer,
enquanto no milho sumarento, a codorniz escondida
grita “eu eu eu” e, se oculta, como pensamentos invisíveis,
A feérica e raramente vista galinha d’água
Repete “crique crique” como vozes subterrâneas
feliz por encontrar o véu orvalhado da noite
e ver a luz desaparecer em trevas ao redor
 
Nota: a transcrição respeita a versão publicada em livro, apesar das vírgulas me parecerem escusadas.

Sem comentários: