As distâncias prolongam-se pela noite dentro quando ficas só, a escuridão traz ao pensamento memórias limpas de dias aparentemente extintos. Estamos a dois passos um do outro e, no entanto, parece infinda a distância que nos separa. Não tenho saudade da saudade, essa puta outrora presente na minha vida como um lanho nos olhos. O que ficou para trás, para trás ficou, não vale a pena perder tempo a maquilhar a ruína adornando-a com falsos adereços. Da nostalgia não me livro, mas esse é outro sentimento. É uma nuvem parada no céu, nenhum vento a afasta. Com a saudade é diferente, ficamos nós feitos nuvens paradas na terra. Merda de filosofia que haviam de inventar. A saudade agrilhoa-nos, atraiçoa-nos, é uma voz insidiosa que suspira ao ouvido mandando-nos parar. A dado momento, a cultura retro deixou de me fascinar por isso mesmo. Era tempo estagnado. Percebendo as raízes, prefiro-as irrompendo dos solos, levantando edifícios, como as de um velho chorão que tudo alça. Essa força com que se avança para o futuro interessa-me, a estirpe que se enreda nos cabos e tubos subterrâneos provocando falhas, avarias, pequenas tragédias que obrigam a novas soluções. Bem sei que quase sempre a solução está em livrarmo-nos do que provoca tais incómodos, sendo mais consoladora a terra plana e modorrenta da saudade. O blues não é invenção deste século, o rock and roll tem 100 anos. E daí? Não será possível agarrar nessa herança reconfigurando-a, oferecendo-lhe outra alegria, reinventando-a, reciclando-a? Fazer na vida como os The Black Keyes na música.
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