sábado, 18 de setembro de 2021

PERHAPS VAMPIRES IS A BIT STRONG BUT... (2006)

 


O que há de verdadeiro nessa história? — perguntaram-me. Melhor fora que tivessem interesse no que nela havia de falso. O falso foi inventado, vem da criatividade de cada um. Ser criativo é produzir falsidades, mentiras, fingimentos. O verdadeiro pouco importa na literatura, é apenas um modo de confessar, registar, gravar, dizer, relatar. A biografia, porém, esconde-se entre o verdadeiro e o falso, é uma terceira categoria que escapa a qualquer tipo de equação lógica. Uma biografia é feita de verdades enquanto é vivida, mas nada disso é transfigurável senão através de um processo de falsificação que consiste em produzir reflexos. Deste modo, um facto vivido torna-se reflexo ou sombra a partir do momento em que o partilhamos por palavras. São sempre tão escassas as palavras e é absolutamente necessário sintetizar, cortar, depurar a história. Quanto mais depurada, mais aparentemente real. Dizemos: fui à padaria comprar pão. Quem nos ouça colocar-nos-á a caminho de uma ideia de padaria, mas não estará ao seu alcance sentir o que nós sentimos a caminho da padaria, as palpitações, os suores, a vista turva, a fadiga, nem as distracções que, por instantes, nos fizeram virar na esquina errada, nem escutará os ruídos que nós escutámos enquanto caminhávamos, nem saberá quais os cheiros, se estava sol ou chovia, se fazia vento, se algum cisco nos irritou as vistas… As palavras oferecem sínteses, nunca oferecem enquadramentos completos daquilo que nomeiam. São o real inautêntico. Para que nelas houvesse verdade impunha-se que não fossem palavras, ou seja, abstracções, impunha-se que não fossem projecções. O equívoco, portanto, está em confiar às palavras um poder que não têm. Se eu disser que Alex Turner tem uma voz poderosa, que voz escutará o leitor? Quando o primeiro álbum dos Artic Monkeys apareceu eu tinha menos 15 anos do que que tenho agora, mas alguém que por acaso venha a ler isto daqui a um ano já terá de fazer contas para chegar a uma aproximação do que eu quis dizer quando disse: quando o primeiro álbum dos Artic Monkeys apareceu eu tinha menos 15 anos do que que tenho agora. Não precisará, no entanto, de se esforçar para compreender Whatever People Say I Am, That’s What I’m Not

1 comentário:

Ivo disse...

Terminei há instantes de ver o documentário passado último dia 22 na RTP sobre Vinhas da Ira. Choca de frente com o que tento ler aqui. Ademais fez ontem 30 anos sobre a edição de Nevermind, sobre o qual há quem diga ter trazido a novidade do despretensioso, a hipótese do ser tal qual se é. Verdadeiro. Também ouvi dizer que Artic Monkeys seria uma reminiscência. Contudo, o Sr Agente tinha razão, o fim de semana é para copos, de modo que tudo isto pode ser apenas uma grande confusão, finda a escuta de um Hallelujah do Sr Buckley em que inevitavelmente a visão se turva. Bem, resumindo - Dorothea Lange.