Esta noite sonhei com um leão careca. Estava a afundar-se num pântano e pedia que o socorressem, mas os outros animais não se aproximavam dele com medo de serem comidos. Em desespero, o leão dirigiu-se aos mortos com uma mezinha muito estranha. Era mais ou menos assim: "Bem unidos façamos, nesta luta final, duma terra sem amos a Internacional." E nisto apareceu um morto a dizer o óbvio: "Ó leão, andas há anos a escarnecer dos mortos como se não estivessem vivos e agora queres que te ajudem? Perdeste a juba e com ela foice a inteligência. Tens de martelar essas tuas peneiras, a ver se entendes, de uma vez por todas, que não é por estarem mortos que os mortos não vivem nem é por estarem vivos que os vivos não morrem. Queres o nosso auxílio? Cuida dos vivos. E respeitinho pelos mortos, que o respeitinho é muito bonito." O leão ficou boquiaberto com o discurso dos mortos. Só se via a bocarra aberta do leão, que o resto do corpo já se afundara na lama. Por piedade, os mortos ainda ofereceram uma cabrita ao sacrifício atirando-a para a boca do leão. E regaram o pitéu com um drink de fim de tarde.
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