sexta-feira, 19 de novembro de 2021

ENFISEMA

É sempre dia de comemorar alguma coisa,
mais ainda em Portugal, todo ele, o país,
revestido de génios a reclamar efemérides.
Hoje é dia de lembrar quem há X anos -
escolha o leitor a data redonda que mais
lhe aprouver - morreu por ter nascido, nasceu
por ter morrido, e entre datas como entre
os dentes foi palitando os dias e coroando
insónias com utopias e poucas glórias.
Aos poetas erguem-se estátuas em praças
poluídas para que os pombos tenham onde
pousar, aos artistas em geral roubam-se
os nomes para ruas de dez em dez anos
varridas pelas vassouras do pensamento.
Quem ainda se lembra desse ás de espadas
da prosa lusa que faria agora mesmo 99
anos, 3 horas, 15 minutos e 30 segundos,
fosse vivo de carne e osso nas páginas
que escreveu ou no pensamento de quem
finja lê-lo de lido porque há sempre um
sarro de vergonha nas unhas da memória?
O tempo é tramado, envia encomendas
extraviadas pelo descaminho dos códigos
postais. Não fora o esquecimento ter
tomado conta dos serviços, os correios
por certo arrulhariam como os pombos
nos beirais e seríamos todos mais sérios,
mais honestos, embora talvez menos geniais.
 
Juraan Vink, dos "Diários".

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