Como arrancar de mim
o que em mim semearam?
Eu, amálgama do que sobrou
do instinto amordaçado
por vontade de outrem;
eu, amálgama de palavras
e símbolos forjados
ao acaso de bibliotecas
e de doutrinas
transmutadas
em pensamentos
políticos, filosóficos
e de outra ordem;
eu, amálgama de todos os materiais
rochosos, aquáticos, arbóreos,
etéreos,
pretrolíferos, pestilentos.
Eu nada seria
se tivesse sido
dispensada de penetrar no opaco,
de ressentir
Buda, Grécia, Roma,
a cristandade
e outras religiosidades servis;
de trazer merenda
para a estrada
das vossas imagens
arrendadas
na terra decorada
por acerbos poderes.
Trago barrocos,
areia negra,
milhanos
e cegonhas penduradas
em árvores despidas;
e vagabundos de olhos brilhantes
a olhar rapariguinhas.
E sementes alheias.
(2018)
Dulce Pascoal, in Amoras - versos, poemas & vozes éditos e inéditos em quatro décadas [1979-2020], escolhidos pela autora que também assinou Maria Paiva em jeito de antologia pessoal e que aqui estreia em livro com 2 epígrafes de Goethe & Celan, desenhos de Cruzeiro Seixas, suplemento de A Ideia, n.º 90/91/92/93, Outono de 2020, pp. 18-19.
Sem comentários:
Enviar um comentário