quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

UMA DAS SÁTIRAS DE JOHN OLDHAM

 


Uma das sátiras de John Oldham (1653-1683), escrita em 1679, dá conta justamente da economização da escrita na sociedade da Restauração. Oldham contrasta a produção poética na corte isabelina com as novas condições de produção, destacando o aumento de produção e os sinais crescentes de comercialização. A natureza da fama e da reputação, bem como a função social da criação poética ter-se-iam alterado profundamente. A relação da escrita com o tempo e com o saber teria sido especialmente afectada: a leitura transformara-se num acto de consumo quotidiano, retirando aos textos escritos a sua aura de permanência e de conhecimento precioso. A hierarquia das formas culturais via-se perturbada pela efemeridade dos textos impressos. A materialidade impressa do jornal, na sua condição de mercadoria tipográfica de utilidade imediata, comunicava-se a outras formas como o poema:

Quantos Poemas escritos outrora,
Gozando de grande estima Ancestral,
Em Livrarias a deitar por fora
Vendiam mais que a Gazeta Estatal,
Agora são tratados com desprezo,
Como Pordage, Fleckno, ou o British Prince?
Quarles, Chapman, Heywood, Withers, aplaudidos,
E Wild e Ogilby em tempos idos;
Seu destino agora é servir de Embrulho,
Que Editor falido maldiz de orgulho.
Que ora andeis abaixo e acima impante,
Agradais Corte e Cidade um instante,
Logo acabareis em Duck-lane no penhor
Qual Silvester e Shirley ao bolor
Trocado por Cerveja no Arraial.
Quem não se há-de rir de Nome imortal
Mártir na chama do vil Mundungus,
Portentos Poéticos e profundos,
A limpar o Cu aos Carregadores,
Papagaios de Papel voadores?

À efemeridade que resultava da popularização e comercialização da escrita, Oldham acrescentou as relações que redefiniam o sistema socioliterário: a intermediação dos críticos como parte do reconhecimento público da poesia; o patrocínio interesseiro dos aristocratas, que fazia dos autores mercenários das suas causas; a incerteza do sucesso teatral; e a situação precária dos autores, obrigados a esmolar pela sobrevivência. De resto, era esta condição económica dos autores que determinava a forma literária das suas produções:

Que se há-de esperar de alto valor,
Do pobre Infeliz que escreve prà boca?
Que o sucesso da Peça nova troca
Por Cama, Mesa e Roupa; a intenção
Conseguir a próxima Refeição?

Manuel Portela, in O Comércio da Literatura - Mercado & Representação, Antígona, Outubro de 2003, pp. 220-221.

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