Jonathan Swift escreveu The Battle of Books em 1697, embora apenas o publicasse em 1704. A querela entre o culto dos Antigos e o elogio da Modernidade estava ao rubro, sendo precisamente sobre ela a sátira em que dois exércitos de livros se digladiam na biblioteca do Palácio de St. James. Acerca do género satírico, tal como então era entendido, convém sempre citar Swift: «A sátira é uma espécie de espelho onde quem olha geralmente descobre a cara de toda a gente menos de si próprio». Em The Battle of Books, Momo, deus da sátira, é o patrono dos Modernos, ao passo que Palas, epíteto da deusa grega Atena, protege os Antigos. Os primeiros socorrem-se ainda da Crítica, algo que, diga-se de passagem, não abona em seu favor, já que os Antigos estão em menor número do que os Modernos. Se aqueles são disciplinados, estes são mercenários, se aqueles «dependem de um laborioso processo de assimilação de múltiplas fontes para a sua produção, os Modernos produzem apenas a partir de si próprios» (Manuel Portela). Talvez não seja exactamente assim, embora fique clara a perspectiva de Swift quantos às práticas de trabalho que opunham uns e outros. É daqui que advém a fábula das abelhas e das aranhas. Para as abelhinhas não havia propriedade privada, o resultado do seu trabalho era o mel e a cera produzidos colectivamente com recurso à natureza. Já as aranhas são todas elas propriedade, criaturas domésticas que das suas próprias entranhas segregam veneno e excrementos. Vivem ensimesmadas, sem memória nem assimilação. A alegoria não é nem tem de ser exacta quanto ao lado para que pende o autor, pois se nele podemos descobrir simpatia pelos Antigos também não é errado ser devedor da Modernidade o veneno da sátira posta em prática. Os gregos já tinham os seus sátiros, como é óbvio, mas o que está em causa em Swift parece ter mais que ver com a relação entre Modernidade e factores de produção do que com a substância das obras. Para a aranha, a abelha pilha a natureza por não ter herança (quem eram os antigos dos antigos?). Diz Manuel Portela: «A alimentação variada da abelha, recolectora e transformadora de matérias diferentes de si, dá lugar à aranha-proprietária, inchada de auto-referência à sua matéria e à sua forma». É uma querela antiga sem fim à vista, mantendo-se ainda hoje pertinente a alegoria swftiana. Disso mesmo é prova o mais recente livro de José Emílio-Nelson, cujo título remete para The Battle of Books. A sequência breve que oferece título ao livro está: aqui. Se pende mais para as abelhas ou para as aranhas, o Autor o dirá. Eu cá julgo que a sua obra é exemplo vivo de uma aranha alimentada por abelhinhas capturadas numa teia bem tecida.
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