sábado, 16 de abril de 2022

AFRODISIA (1955)


 

Marko, o traficante, masturba-se enquanto caem bombas sobre Belgrado. A amante que por cima dele cavalgava - mecanicamente - foge no melhor momento (para ele, o dele), e ele encosta-se à janela aproveitando a trepidação das paredes e o som das explosões. Há homens assim, inchados de testosterona, vêm-se só de imaginar o horror. Místicas houve, também, que se mutilavam em êxtase por devoção ao Senhor. O sexo quer-se violento, como nas páginas de Sade ou nas fotografias de Mapplethorpe. Na verdade não se quer, é. Violência algo estilizada no último caso, apesar da desmesura. O erotismo entra por outras vias na música. O acesso ao romantismo foi privilegiado com melodias oníricas, legando a foda para planos diversos. Só quando a música libertou a dança do espartilho geométrico é que o sexo se lhe revelou verdadeiramente. Para D. H. Lawrence: «O homem deve fazer amor com música, e a mulher deve com música fazê-lo, acompanhada a cordas e saxofone.» Não pode ser a trompete de Kenny Dorham? Fazer amor com música é dançar, dançar é fazer amor com música. Cópula acompanhada por congas como mísseis rebentando casas. Percebo a excitação de Marko. A configuração fálica do míssil abrindo um buraco na parede é uma actualização hiperbólica do prego na carne de Cristo, ó sagrada religião da morte. A guerra. Explosões, orgasmos, clímax pornograficamente exibido pelas televisões com restos de esperma espalhados pelas estradas. Dali já nada nascerá, é vida desperdiçada pelo esgoto, mancha no lençol da cidade desmoronada. Percebo a exaltação do mínimo (Luiza Neto Jorge?), mas prefiro a sublimação do desejo supremo: «A música serve, por certo, para se dançar! E a jovem moderna sente-o, por certo, num ponto qualquer do seu mais profundo ser.» Novamente D. H. Lawrence, para dizer que as feridas dançam conservando-se abertas como chagas em corpos desejantes. A chaga é um sinal do sacrifício, se bem a entendemos, é uma prova da carne ofertada para sacrifício em nome de uma espiritualidade onde, por fim, possa a máquina deixar de desejar para passar a ser apenas forma, projecto, potência. Sacrificar o cordeiro, crucificar o pastor. Somos máquinas desejantes em sentido literal, dizia a dupla francesa debruçada sobre Édipo, e é nesse sentido literal que Marko passa o tempo a dançar até quedar numa cadeira de rodas em chamas. Depois das chamas, a cinza. Após a dança, o meu cinzeiro azul. O que é o desejo supremo? Ora, é o silêncio. A ausência de música. Dançar embalado pelo silêncio, isso sim: supremo desejo.

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