sexta-feira, 22 de abril de 2022

AS MAIORIAS

 




A maioria? Quando Telémaco saltou para a arena a fim de travar uma luta entre gladiadores, a maioria apedrejou-o até à morte porque pretendia assistir ao espectáculo. A maioria libertou Barrabás e condenou Jesus. A maioria estava na multidão que arrastou Hipácia pelas ruas, humilhando-a, espancando-a, esquartejando-a, antes de deitarem à fogueira o que dela sobrava.  A maioria esteve com as cruzadas contra os ímpios, sujeitos aos argumentos da fé que tanto podiam entrar pelo cu, em forma de gancho, como por qualquer outra parte do corpo crivada de pregos. Os torniquetes foram, durante séculos, argumentos da maioria, multidão de castigadores entusiasmados com a tortura dos chicotes. A maioria obedece aos
 
MERCENÁRIOS
 
    Agora chamam-se contratados.
   Em Itália, há séculos, chamavam-se
condottieri. Eram alugados para matar, e condotta era o nome de contrato.
   Paolo Uccello pintou estes guerreiros tão elegantemente vestidos e com movimentos tão graciosos que os seus quadros mais parecem passagens de modelos do que sangrentas batalhas.
   Mas os
condottieri eram homens de barba rija, que não tinham medo de nada, excepto da paz.
   Nos seus verdes anos, o duque Francesco Sforza fora do ofício; e não se esquecia disso.
   Uma tarde, passeava o duque pelos arredores de Milão, montado no seu cavalo, e atirou uma moeda a um mendigo.
   O mendigo desejou-lhe o melhor:
  
Que a paz esteja contigo.
  
A paz?
   Um golpe de espada arrancou-lhe a moeda da mão.
 
Portanto, há que desconfiar das maiorias formadas pelo medo e apoiadas no terror. A história dos mercenários é contada por Eduardo Galeano, in Espelhos – Uma História Quase Universal, tradução de Helena Pitta, Antígona, 1.ª edição, Junho de 2018, p. 119. O quadro é de Paolo Uccello.

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