sexta-feira, 15 de abril de 2022

CINEMATÓGRAFO #6

 


Nunca lamentei não ter fé, prescindo da companhia dos deuses. Não é por arrogância, é por falta de necessidade. Sou cristão por herança cultural. Fui baptizado e fiz a primeira comunhão, infelizmente e contrariado. Estudei na Universidade Católica, por opção. Conheço relativamente bem os meandros do catolicismo para o renegar veementemente. Sou leitor assíduo da “Bíblia”, magnífico compêndio literário repleto de disparates, poesia, fábulas e absurdos, paradoxos, histórias terríveis e fantásticas. A “Bíblia” é bíblica não por revelar a palavra de Deus, que não tem palavra alguma, mas por nos oferecer exemplos de quase tudo quanto é possível em matéria de ficção. Melhor só “A Vida e Opiniões de Tristram Shandy”, “Ulysses” ou o “Livro do Desassossego”. Sei rezar e às rezes rezo, como quem recita um mantra, que também recito, ou como quem canta uma canção para seus males espantar. Detesto cada vez mais a hipocrisia em todos os domínios da existência, seja ela política ou religiosa. As igrejas, tal como os comícios, estão cheias de hipócritas a aplaudir o que não praticam e a exigir aos outros o que os próprios se eximem de fazer. Com a Igreja Católica Apostólica Românica isso é mais evidente porque se trata de uma instituição que exige muito aos seus fiéis, exige tanto que os deixa sem espaço de manobra. O pecado é inevitável. Mas isto tem uma razão de ser. É pelo reconhecimento do pecado que a fé se afirma. Quanto mais o pecador se assumir pela confissão, mais próximo de Deus estará. Abençoados os pecadores que confessam os seus pecados, como a ICAR vem fazendo recentemente em matérias por demais conhecidas. É da lógica deles, autoperdoarem-se pelos crimes cometidos. Os ímpios não terão a mesma sorte, serão directamente encaminhados para o Inferno. “A Vida de Brian” (1979) é uma comédia genial dos Monty Python que não tem a pretensão de explicar estas coisas, embora o faça explorando uma sequência de equívocos desde o nascimento até à crucificação do malogrado Brian. Confundido com o messias, vê-se enredado numa teia de enganos em que religião e política se misturam. Jesus a pregar para uma multidão que o não consegue escutar por falta de amplificação, a resistência palestina dividida enquanto se perde em procedimentos burocráticos e num labirinto de falácias, são material pedagógico indispensável por estes dias de via-sacra. Lá para o fim, a Frente Popular Judaica apresenta-se a serviço com o seu esquadrão suicida. Respondendo à ordem de ataque, desembainham as espadas cravando-as de imediato no próprio corpo. Tombam todos mortos. «Mostrámos-lhes como era, não foi?», questiona o chefe do esquadrão antes de tombar no campo de honra. Foi, digo eu. Mostraram bem e foram altamente esclarecedores. A realização é de Terry Jones.

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