sábado, 23 de abril de 2022

SACO DE BOXE

 


 

Em 2015, a lei de descomunização aprovada no parlamento ucraniano (Rada Suprema) atirou para a clandestinidade o Partido Comunista da Ucrânia, o Partido Comunista (renovado) e o Partido Comunista dos Trabalhadores e Camponeses da Ucrânia. A invasão russa de 24 de Fevereiro deste ano levou à suspensão de mais 11 partidos, entre os quais a Oposição de Esquerda, a União de Forças de Esquerda, o Partido Socialista Progressivo da Ucrânia, o Partido Socialista da Ucrânia, o Partido dos Socialistas. Um país que deu maioria absoluta ao Partido Socialista aplaudiu de pé as considerações de Volodymyr Zelensky, que se apresentou com uma t-shirt de gosto muito duvidoso. Nem todos aplaudiram, como é sabido. Infelizmente, em vez de estarmos a debater o que foi dito pelo presidente da Ucrânia, insiste-se numa campanha contra um partido político que tem defendido desde o início soluções pacíficas para o conflito.
 
Zelensky pede mais armas (a que mãos irão elas parar?) e acha que a Ucrânia vai entrar para a UE pela via verde. Quem lhe mente não é o PCP, mas aqueles que o fazem acreditar que pelas armas vencerá e que a UE acolherá de braços abertos um país destruído com 44 milhões de habitantes. Estes são os hipócritas, são os que insistem em colar o PCP à Federação Russa por mais que o PCP venha dizendo há anos que não tem nada que ver com o regime de Putin a quem os hipócritas de França, Alemanha, Itália, Áustria, Bulgária, República Checa, Croácia, Finlândia, Eslováquia e Espanha, venderam armas já depois da anexação da Crimeia. Prepare-se a esquerda portuguesa para o que aí vem. Agora é o PCP a levar na cabeça por não embarcar em hipocrisias, mas no futuro não será apenas o PCP. Como, de resto, está a ficar visível numa Europa que pode sofrer já um golpe profundo nas próximas eleições francesas.
 
A imagem acima reproduzida ilustra o que está a acontecer. Sob pretexto de um apoio cínico à Ucrânia, qualquer gesto, qualquer afirmação, qualquer movimento que não se identifique inequivocamente e em absoluto com a retórica montada será alvo de calúnias, injúrias, difamação. Ontem, num programa da SIC Notícias, José Miguel Tavares foi ao ponto de afirmar que o PCP era comparável ao Chega porque defendia o extermínio de ucranianos. As palavras foram exactamente estas: «o PCP defende o extermínio de ucranianos». No mesmo dia, João Oliveira no Jornal da 2 lembrava que o PCP anda desde 2014 a chamar a atenção para o que se passa naquele território, apoiando-se em relatórios da ONU que dão conta de mais de 14000 ucranianos mortos num conflito civil que opõe nacionalistas a separatistas. Não se pode passar uma borracha sobre estes 14000 mortos como se eles não tivessem existido (têm acesso a um deses relatórios aqui
. Podem ler todo o documento ou apenas o último parágrafo. É rápido.) Também na SIC Notícias, António Filipe esclareceu, mais uma vez, a posição claríssima do PCP:
 
- condenar a guerra;
- cessar fogo;
- apelar a soluções pacíficas na base do diálogo e da negociação;
- apoiar as populações, sempre na base da defesa dos Direitos Humanos.
 
Dizem que o PCP defende a guerra, mas não dizem onde é que o PCP defende a guerra. Dizem que o PCP é putinista, mas não dizem onde é que o PCP alguma vez elogiou o regime de Putin. Dizem que o PCP é pró-rússia, mas não dizem onde é que alguma vez o PCP defendeu a invasão russa. Antes pelo contrário, quando são confrontados com a necessidade de demonstrar o que dizem que o PCP disse, não mostram. Não há um único documento do PCP que possa servir de prova a tais considerações. Injúria, calúnia, difamação, não podem ser confundidos com liberdade de opinião. São crime. Qual a diferença entre afirmar que o PCP defende o extermínio de ucranianos e dizer, como André Ventura fez, que uma família do Bairro da Jamaica era um bando de bandidos? Nenhuma. Ambos praticam o mesmo crime, ambos usam a mesma táctica, exactamente com o mesmo objectivo e a mesma motivação: num caso racismo, no outro caso anticomunismo.
 
Agora é o PCP, mas não será apenas o PCP no futuro. O que está em causa é denegrir a esquerda e todo o pensamento de esquerda que não alinhe nas hipocrisias da direita. Foi João Cotrim de Figueiredo, Paulo Portas e Mesquita Nunes quem andaram a vender Vistos Gold a oligarcas russos (ver aqui
). Não foi nenhum membro ou militante do Partido Comunista Português, que, de resto, há muito vem sendo oposição à ideologia de Putin e à sua Rússia Unida. Putin é um supremacista, tal como Donald Trump. A culpa do crescimento da extrema-direita no mundo não é dos comunistas, é de todos aqueles que insistem na difamação, calúnia e injúria do comunismo. Arriscamos a ter novamente Trump nos EUA, Bolsonaro no Brasil, Le Pen em França, Boris em Inglaterra, Putin na Federação Russa… E a culpa é dos comunistas? É o comunismo que governa o mundo ou o comunismo tem sido um opositor claro deste mundo governado por crápulas e cretinos como aqueles que andaram a negociar gás e petróleo com Putin e a vender-lhe armamento?
 
Na verdade, estamos perante uma nova forma de animismo. Uma espécie de animismo político. Estas pessoas que andam há décadas a declarar a morte do comunismo colocam sobre os comunistas o ónus dos males do mundo, como para a criança o mal é um fantasma ou para certos povos o universo é governado pelos espíritos dos mortos. Há um vulcão que cospe, culpa dos comunistas. A terra treme, culpa dos comunistas. A seca é extrema, culpa dos comunistas. O Novo Banco 'apaga' dívida de 160 milhões de euros de Luís Filipe Vieira? Ora, de quem pode ser a culpa senão dos comunistas?
 
As posições do PCP podem e devem ser criticadas na base do que o PCP afirma, não na base do que dizem ser o discurso do PCP. O que muitos andam a fazer é a caluniar e a difamar, isso é completamente diferente de criticar. Basta seguir no Twitter gente como Carlos Vaz Marques ou Ana Gomes, a que come pipocas enquanto vê colunas de soldados a ir pelos ares, ou António Nogueira Leite ou outros tontos sempre chamados a cagar sentenças nas televisões, para perceber o que aqui está em causa. Não é o PCP que tem comentadores a toda a hora em todo o lado. Compare-se o tempo que se perde neste momento a falar mal do PCP, como se o PCP tivesse invadido a Ucrânia, com a atenção que foi dada ao PCP nas últimas eleições. As imagens acima reproduzidas são elucidativas. Agora é o PCP, mas em breve será todo e qualquer pensamento de esquerda, será o estado social, serão os sindicatos, serão os direitos dos trabalhadores e dos migrantes, serão as privatizações de sectores estratégicos como aqueles que já foram vendidos aos chineses com a oposição do PCP. O jogo democrático faz-se na base da contradição, não na base da injúria e da calúnia.

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