Os meus amigos estão-se marimbando para os meus poemas.
Gostam do herói de quatro patas que sei ser quando o sol nos nina
e contrapesam o sarcófago que me torno ao chegar a nortada;
deixam-me enrolar tabaco no pano das suas camisas
e guardam silêncio quando investigo as aves,
pois sabem que a bula será breve e calará o remetente
da nossa correspondência quase sempre em branco. Sim,
os meus amigos vieram de longe para testemunhar o desaparecimento
de quanto me assemelhava a um ser humano,
excepto, por agora, o batimento cardíaco e talvez a pele,
conquanto esta se vá tornando tela e, na sala ou na floresta
ou às portas da sorte, escorra para o seu redor e o desbote,
em busca de museu, caruma ou barca. Isso:
os meus amigos só me lêem as vagas, ora estrepitosas ora mansas,
sempre tentativamente musicais, chamando a si abandonos
e cantos, suicídios e orgias, cais aportando a este cais. Vede:
os meus amigos porfiam em sê-lo até na minha ausência, até aqui,
até no dia de hoje, anoitecido e esquivo, como um gato doméstico
reaprendendo a caça, lançado por tormenta em lodaçais.
Miguel Martins, in Húbris Sem Némesis, Nova Mymosa, Abril de 2022, p. 13.
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