Niccolò Machiavelli (1469-1527): afortunado autor de
comédias, filósofo proscrito. Vem a propósito lembrar que a sua leitura esteve
vedada em Portugal desde que foi incluído no Índice dos Livros Proibidos da
Igreja Católica até, pasme-se, 1929. Decerto que era lido às escondidas numa
das inúmeras reedições que foram circulando de mão em mão por essa Europa fora.
Entre os seus mais enérgicos críticos portugueses, a medalha de ouro vai para o
Bispo de Silves D. Jerónimo Osório (1506-1580). Estávamos em cima do
acontecimento e a filosofia de Maquiavel agitava os pilares da Igreja, ainda
que o Bispo de Silves tenha sido acusado de haver censurado Maquiavel sem nunca
o haver lido. Curioso documento é o da justificação para a expulsão dos
jesuítas em Portugal, já do reinado de D. José I, em 1759, em que a Companhia
de Jesus vem aí apresentada como herdeira «das mais perniciosas maquinaçoens,
que inventou a malícia dos Homens; e que depois de muitos outros Filosofos
impios, e temerarios; divulgou o infame Nicolao Machavello, para perturbação da
sociedade Civil, e da Religião Christãa». A Francisco Bernardo Holbeche devemos
uma primeira tentativa de tradução de “O Príncipe”, depois de obter em 1757
licença para ler os livros proibidos, embora com excepção das obras de
Maquiavel e o “Adónis” de Giambattista Marino (1569-1625). Ficou-se pelo
terceiro capítulo, com comentários pertinentes. Só em 1935 teremos uma versão
portuguesa integral dessa obra maior do Renascimento italiano, por cá editada
com prelúdio de Mussolini. Dito isto, quem assistir à “Mandrágora” encenada por
Fernando Mora Ramos, não deixará se de espantar com o facto de essa mesma peça
ter sido exibida com sucesso na corte do papa e de em 1787, sendo Florença governada
pelo grão-duque Leopoldo, terem erigido a Machiavelli um túmulo de mármore na
igreja de Santa-Croce, junto a monumentos dedicados a Michelangelo, Galileu, Dante...
Portugal, um país sempre à frente. Acrescente-se este excerto de "Erros
Impios, e Sediciosos, que os Religiosos da Companhia de Jesus ensinarão aos
Reos, que forão justiçados, e pertenderão espalhar nos Póvos destes
Reynos":
«Foi outra maquinação ideada pelos Filosofos mais impios,
e da sua abominavel tradição dirivada para a divulgar pelo mesmo
anathematizado, e proscripto Nicolao Machevello: Que a utilidade do interesse
proprio podia ser motivo para se maquinar, e executar a morte alheya. De sorte
que aquelle Coriféo, e Heresiarca de toda a impiedade politica, depois de haver
arruinado a vida Civil, que se anima de honra, com a Doutrina das calumnias;
passou a sacraficar tambem á conveniencia, não só a vida natural; mas tambem a
eterna, expondo-as ás funéstas contingencias, que são isseparaveis das mortes
insidiosas, e como taes não prevenidas pelos miseraveis, que as padecem, quando
menos as podem esperar: Dando por isso este abominavel erro, outro justissimo
motivo á indespensavel prohibição, com que a Sede Apostica defendeo as obras do
dito Machavello.»
Enfim, era lá com eles.
Informações recolhidas em Maquiavel e Portugal (Estudos
de História das Ideias Políticas), de Martim de Albuquerque, Alêtheia Editores,
Novembro de 2007.
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