(…)
— Somos católicos.
— Somos católicas. Filhas de Maria.
— Religião; é bem bom.
— É bom-bom.
— E depois?
— E depois?!
— E nós, depois?
— Vós?
— Nós e vós.
— Católicos. Católicos todos. Cobardes e católicos.
Cretinos e católicos.
— Se te ouvem…
— Não tenho medo da polícia.
— Sabes que não te prendem. És rica. E depois o teu
paizinho ia lá buscar-te.
— Eras tu quem o devia fazer.
— Eu?
— Tu, sim! Não és meu marido?
— É o que está escrito.
— Scripta manent…
— Vê-se que estudaste latim.
— No Maria Amália. Está descansado, já esqueci quase
tudo. Que chatice, o rosa, rosae.
— Não acho.., e deu-me muito dinheiro a ganhar.
— Como? o latinório?
— O latinório, sim! Não sabes que era professor,
explicador particular.
— Lembro-me vagamente… fui tua aluna, em tempos.
— Bons tempos…
— Sim, talvez… foi há tanto tempo.
— Leviana! O passado, o grande passado dos séculos que
passaram, é a nossa força, não o esqueças, vivemos no passado, no passado temos
as nossas glórias, tradições, heroísmos, padrões na costa de África. O passado
é a nossa esperança! a nossa razão de ser!
— Passadismos! Possidonices! Ultratalassas de merda!
(…)
Luiz Pacheco, in Exercícios de Estilo, 3.ª edição, revista e aumentada, Editorial Estampa, Outubro de 1998, pp. 97-98.
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