Na minha vida
só de revoluções adiadas
levo já uma catrefa
e se for a ponderar a aritmética
tempo me valha
que estou velho aos quarenta
Cresci a ver o país
nas mãos de cata-ventos
ora soprados a jusante
ora bufados a jazente
com o futuro dos filhos dependurado
em tratados europeus
parafraseando estatutos
de condomínios fechados
e nós dentro deles
como caseiros
mulheres a dias
já com o passado todo no ralo dos mercados
e nenhuma história para contar às filhas
Os heróis que nunca tivemos
foram-se todos com as putas
ficaram nevoeiros
onde repousar a imaginação
e 1 Prémio Nobel para assoprar a pirose
mais um neurocirurgião
o melhor futebolista do mundo
encanto para olhos de multidões
cegas d'indiferença
e a Paula Rego ao largo
e adiante Maria João
teclando nas pretas os sustenidos da nação
Temos imensíssimos cérebros emigrados
de que é bom orgulharmo-nos
não vá o sol queimar-nos a testa
Constipados de turismo
Servis e resplandecentes
somos como sói dizer-se bons anfitriões
passamos a vida em filas
onde contamos os tostões
(podíamos ser excêntricos
passaríamos a vida em filas
a contar os cêntimos)
Temos entre os poetas dos melhores
escrevem mais do que lêem
lêem mais do que vivem
vivem menos do que morrem
e já nem de tenças sobrevivem
simplesmente porque não podem
Os recursos naturais vêm sendo investidos
na confecção de sobras
em obras tão seminais
como as sinapses da Fundação Champalimaud
artroses da Fundação Mário Soares
alzheimer da Fundação Francisco Manuel dos Santos
recessos da Fundação Calouste Gulbenkian
dislexia do Museu Berardo
passepartouts para o colecção Miró do BPN
e BPNs para os mirós dos passepartouts
Convenhamos que não sobra muito
a Festa do Telhal talvez
e pelo meio
gado e comezainas
de norte a sul
interior e litoral
com vivas à independência
à reconquista
à república
e ao FM Integral
O país no seu melhor
são quarenta anos de cavacas
sem açúcar
prescrições várias e um acréscimo considerável
tanto no uso de antidepressivos
como no comércio de corda para enforcamentos
Para o suicídio ainda não inventaram dietas
Vamos indo como sempre fomentos
Vamos estando como sempre investimentos
Vamos sendo como sempre barlaventos
Feios e pigs e bonzinhos
alunos bem comportados de uma mise-en-scène
com indignações várias
dignas do tesão de mijo que assola o bêbado
das carbonárias
Inda assim trazemos na carteira expressões latinas
Estrangeirismos e anglicismos
fartos para embelezar decretos
e códigos e processos
Actio nondum nata non praescribitur
dizem os poetas de batina
como el matador ao toiro revogado
Comment dit-on motherfucking en français?
Na praça pública somos todos cavalos cansados
burros mansos
lobos amestrados com dentes caninos
para carnes tenras e ossos podres
Jamais seremos vencidos
porque unidos nunca estivemos
jamais seremos derrotados
porque vencedores nunca seremos
Trepamos cimentadas carreiras
descalços e desprotegidos
na esperança de solas cozidas a linha dupla
por outros que como nós trepam
mais abaixo de nós
e sempre a olhar para cima
na direcção de poleiros inalcançáveis
desviamos a testa das poias largadas
por quem bate asas e voa
Triste sina ser-se assim
adiado aos quarenta
a fome de sentir e de amar e de ver
que não sai do mesmo lugar
onde nasceu e
tudo leva a crer
há-de vir a naufragar
só de revoluções adiadas
levo já uma catrefa
e se for a ponderar a aritmética
tempo me valha
que estou velho aos quarenta
nas mãos de cata-ventos
ora soprados a jusante
ora bufados a jazente
com o futuro dos filhos dependurado
em tratados europeus
parafraseando estatutos
de condomínios fechados
e nós dentro deles
como caseiros
mulheres a dias
já com o passado todo no ralo dos mercados
e nenhuma história para contar às filhas
foram-se todos com as putas
ficaram nevoeiros
onde repousar a imaginação
e 1 Prémio Nobel para assoprar a pirose
mais um neurocirurgião
o melhor futebolista do mundo
encanto para olhos de multidões
cegas d'indiferença
e a Paula Rego ao largo
e adiante Maria João
teclando nas pretas os sustenidos da nação
de que é bom orgulharmo-nos
não vá o sol queimar-nos a testa
Servis e resplandecentes
somos como sói dizer-se bons anfitriões
passamos a vida em filas
onde contamos os tostões
(podíamos ser excêntricos
passaríamos a vida em filas
a contar os cêntimos)
escrevem mais do que lêem
lêem mais do que vivem
vivem menos do que morrem
e já nem de tenças sobrevivem
simplesmente porque não podem
na confecção de sobras
em obras tão seminais
como as sinapses da Fundação Champalimaud
artroses da Fundação Mário Soares
alzheimer da Fundação Francisco Manuel dos Santos
recessos da Fundação Calouste Gulbenkian
dislexia do Museu Berardo
passepartouts para o colecção Miró do BPN
e BPNs para os mirós dos passepartouts
a Festa do Telhal talvez
e pelo meio
gado e comezainas
de norte a sul
interior e litoral
com vivas à independência
à reconquista
à república
e ao FM Integral
são quarenta anos de cavacas
sem açúcar
prescrições várias e um acréscimo considerável
tanto no uso de antidepressivos
como no comércio de corda para enforcamentos
Vamos estando como sempre investimentos
Vamos sendo como sempre barlaventos
Feios e pigs e bonzinhos
alunos bem comportados de uma mise-en-scène
com indignações várias
dignas do tesão de mijo que assola o bêbado
das carbonárias
Estrangeirismos e anglicismos
fartos para embelezar decretos
e códigos e processos
dizem os poetas de batina
como el matador ao toiro revogado
Comment dit-on motherfucking en français?
Na praça pública somos todos cavalos cansados
burros mansos
lobos amestrados com dentes caninos
para carnes tenras e ossos podres
porque unidos nunca estivemos
jamais seremos derrotados
porque vencedores nunca seremos
descalços e desprotegidos
na esperança de solas cozidas a linha dupla
por outros que como nós trepam
mais abaixo de nós
e sempre a olhar para cima
na direcção de poleiros inalcançáveis
desviamos a testa das poias largadas
por quem bate asas e voa
adiado aos quarenta
a fome de sentir e de amar e de ver
que não sai do mesmo lugar
onde nasceu e
tudo leva a crer
há-de vir a naufragar
1 comentário:
Maravilha!
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