quinta-feira, 6 de abril de 2023

PAISAGEM SONORA

 


Ouvir o outro não se faz sem silêncio e reflexão. Em Portugal, as vozes soam sempre demasiadamente alto e de forma confusa, lançam-se muitos foguetes, bate-se com muita violência nos bombos, ovaciona-se freneticamente, de forma muitas vezes despropositada, mas a estes actos não corresponde, o mais das vezes, uma escuta cuidada e atenta. Além da vozearia e dos estrondos, talvez fosse bom interrogarmo-nos sobre o que fica de tudo isto. Talvez esteja aqui a explicação para a expressão popular «quando um burro fala o outro baixa as orelhas». A palavra «diálogo», em Portugal, parece enquadrar-se neste jogo de baixar as orelhas uns aos outros. Mas a expressão contém uma contradição que talvez justifique e dê especificidade ao problema português: não se pode querer falar e convidar, ao mesmo tempo, o ouvinte a encolher as orelhas. Sabendo que não irão ter ouvidos par aos ouvir, os oradores cuidam pouco daquilo que dizem e os ouvintes limitam-se simplesmente a abanar a cabeça. Na verdade, parece-me que, tenham ou não algo para dizer, é indiferente aos oradores se vão ou não ser ouvidos.
 
Carlos Alberto Augusto, in “Sons e Silêncios da Paisagem Sonora Portuguesa”, Fundação Francisco Manuel dos Santos, Maio de 2014, pp. 16-17.

Sem comentários: