Esta noite sonhei que era coelho e andava metido com uma galinha. Confesso que foi uma sensação agradável, sentir o roçagar das penas no meu peito. Quando ela abria as asas comigo por cima era como se eu voasse. Tão bom. Infelizmente, depois tinha de ouvi-la queixar-se de que eu largava pêlo por todo o lado. Não sou eu, desculpava-me, é Nala, a cadela. A canina pobrezita vivia numa tristeza de vergonha, não conseguia aceitar o dever de obediência a um coelho e a uma galinha. Sou uma cadela, uivava, nasci para caçar coelhos e guardar galinhas, latia, isto é uma humilhação. Levámos a cadela ao psicólogo, eu, aos pulecos, e a galinha, naquele caminhar estúpido das galinhas. O psicólogo era um cristo crucificado, explicou que pouco podia fazer por nós, éramos caso sem remédio, que aguardássemos pelo Natal, período de felicidade e solidariedade e caridade e compreensão e todas essas coisas maravilhosas de que prescindimos durante o resto do ano. Pior foi quando a galinha engravidou. Chocou uns ovos com meninos jesúses lá dentro, deixando-me numa profunda depressão. O que vou eu fazer com estes, perguntava-me na condição de pai dos meninos jesúses, deus coelho metido com uma galinha chocadeira. O vosso futuro é horrível, a via crúcis que vos espera, pobres meninos, tão lourinhos, tão branquinhos, tão crucificados. Resolvi comê-los. Não se espantem, tive uma coelha que matava e comia os próprios filhos. Acontece que os meus meninos jesúses sabiam a chocolate, eram deveras saborosos. Partilhei bocadinhos com Nala, a cadela, para ver se a animava. Mas ela só se animou verdadeiramente quando uma mão invisível transformou a galinha em canja. Acordei com a cadela a roer os ossos do meu amor.
sexta-feira, 7 de abril de 2023
SEXTA-FEIRA SANTA
Esta noite sonhei que era coelho e andava metido com uma galinha. Confesso que foi uma sensação agradável, sentir o roçagar das penas no meu peito. Quando ela abria as asas comigo por cima era como se eu voasse. Tão bom. Infelizmente, depois tinha de ouvi-la queixar-se de que eu largava pêlo por todo o lado. Não sou eu, desculpava-me, é Nala, a cadela. A canina pobrezita vivia numa tristeza de vergonha, não conseguia aceitar o dever de obediência a um coelho e a uma galinha. Sou uma cadela, uivava, nasci para caçar coelhos e guardar galinhas, latia, isto é uma humilhação. Levámos a cadela ao psicólogo, eu, aos pulecos, e a galinha, naquele caminhar estúpido das galinhas. O psicólogo era um cristo crucificado, explicou que pouco podia fazer por nós, éramos caso sem remédio, que aguardássemos pelo Natal, período de felicidade e solidariedade e caridade e compreensão e todas essas coisas maravilhosas de que prescindimos durante o resto do ano. Pior foi quando a galinha engravidou. Chocou uns ovos com meninos jesúses lá dentro, deixando-me numa profunda depressão. O que vou eu fazer com estes, perguntava-me na condição de pai dos meninos jesúses, deus coelho metido com uma galinha chocadeira. O vosso futuro é horrível, a via crúcis que vos espera, pobres meninos, tão lourinhos, tão branquinhos, tão crucificados. Resolvi comê-los. Não se espantem, tive uma coelha que matava e comia os próprios filhos. Acontece que os meus meninos jesúses sabiam a chocolate, eram deveras saborosos. Partilhei bocadinhos com Nala, a cadela, para ver se a animava. Mas ela só se animou verdadeiramente quando uma mão invisível transformou a galinha em canja. Acordei com a cadela a roer os ossos do meu amor.
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