POEMA DO NOVO EGIPTO
Não trago incenso, pão ou cerveja.
Trago novos modos de preservar a alma
dos objectos, esmolas contadas para os teus filhos.
E tu ofereces-me a essência: um defeito na pedra,
um destino por cumprir. Chá, karkadeh, pepsi-cola.
Pequenos crocodilos de cativeiro: os núbios.
Mais a sul, outros há que um dia serão
mera atracção turística. Também eles servirão
chá e sorrisos rasgados para a fotografia.
Com olhares penetrantes, apagarão da história
as linhas mais sangrentas. Tal como as miragens
no deserto, é hoje o Egipto de ontem.
Descendo o Nilo ao ritmo dos remadores,
caem-nos sombras de areia sobre os olhos.
As margens desaparecem por completo,
o rio prolonga-se nas vidas que amamenta.
Nós, homens, somos os seus afluentes.
E o deserto é apenas a extensão das nossas veias.
Trabalha-se o alabastro perto da morte,
ganha-se ao fim do dia o inchaço das mãos.
Só o chá servido a horas justifica o adiamento.
Embora não sirva de nada, sinto-me mais próximo
dos deuses olhando este esforço
do que descendo ao fundo de um túmulo soberbo.
Perdido entre colunas gigantescas, caminho
na direcção dum rosto desconhecido.
Também eu, quando morrer, quero os contornos
da pedra. Quero ficar a olhar os grãos de areia
que se prostram a meus pés. Quero ocupar as mãos
com as miragens do deserto. E tudo isso esquecer.
Trago novos modos de preservar a alma
dos objectos, esmolas contadas para os teus filhos.
E tu ofereces-me a essência: um defeito na pedra,
um destino por cumprir. Chá, karkadeh, pepsi-cola.
Pequenos crocodilos de cativeiro: os núbios.
mera atracção turística. Também eles servirão
chá e sorrisos rasgados para a fotografia.
Com olhares penetrantes, apagarão da história
as linhas mais sangrentas. Tal como as miragens
no deserto, é hoje o Egipto de ontem.
caem-nos sombras de areia sobre os olhos.
As margens desaparecem por completo,
o rio prolonga-se nas vidas que amamenta.
Nós, homens, somos os seus afluentes.
E o deserto é apenas a extensão das nossas veias.
ganha-se ao fim do dia o inchaço das mãos.
Só o chá servido a horas justifica o adiamento.
Embora não sirva de nada, sinto-me mais próximo
dos deuses olhando este esforço
do que descendo ao fundo de um túmulo soberbo.
na direcção dum rosto desconhecido.
Também eu, quando morrer, quero os contornos
da pedra. Quero ficar a olhar os grãos de areia
que se prostram a meus pés. Quero ocupar as mãos
com as miragens do deserto. E tudo isso esquecer.
Poema e fotografia registados no Egipto, em 2004. O poema
foi publicado alguns anos depois no n.º 10 da revista Saudade, dirigida por
António José Queirós (Amarante, Junho de 2008). Reproduzo-o tal como foi
publicado, certo de que hoje a forma e a sintaxe e algum vocabulário seriam
diferentes. Interessa-me nele a cena do trabalho, contrastando com uma
espiritualidade ancestral ao serviço do turismo. Tenham um bom dia do
trabalhador.
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