sexta-feira, 7 de julho de 2023

DIÁRIO DO CORIFEU (introdução)

 


INTRO DUCERE

   No fundo do mar, há uma arca. Dentro da arca, uma rocha. No útero da rocha, uma ave. No bico da ave, debate-se uma ostra. No interior da ostra, há uma pérola. Dentro da pérola, uma folha de figueira. Quando dobrada mais de doze vezes, a folha abre uma porta. Para além da porta, um jardim. Ao fundo do jardim, uma escadaria. Subindo a escadaria, entra-se numa casa. No terceiro quarto à direita, no segundo andar da casa, há um quarto. Nesse quarto, há um psiché. Do outro lado do espelho do psiché, há um deserto. Caminhando sete luas em direcção a oeste, encontra-se um oásis. Nesse oásis, mora um burro. No estômago do burro, vivem sete formigas. Ao ouvirem cantar determinada música, em determinado tom, as formigas dispõem-se em determinada ordem. Quando se dispõem em determinada ordem, as formigas traçam um simulacro de mapa. Seguindo o caminho apontado pelo simulacro do mapa, chega-se a uma montanha. No coração da montanha, há uma boneca de porcelana pintada a duas cores. Acrescentando uma terceira cor à boneca de porcelana, com uma tinta feita à base de beterraba, cenoura e argila, abre-se uma gaveta no peito da boneca de porcelana. Dentro da gaveta no peito da boneca de porcelana, há uma gaiola. No interior da gaiola, há uma cesta de vime. Dentro da cesta de vime, há um peixe. No interior do peixe, há um ovo de codorniz. Dentro do ovo de codorniz, há uma vela acesa.
   Queimaram-se páginas em branco nessa vela e, das cinzas, surgiu este diário.

Filipe Homem Fonseca, in Diário do corifeu, com colagens de Marquesa de Sabre, Paper View, Leiria, Abril de 2023, s/p. 


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