TERAPIA BRICOLAGE

 
Em tempos andei muito preocupado com a literatura portuguesa, até tinha dores de barriga, não dormia, não comia, andava irritadíssimo com o estado de degenerescência cultural do país, nomeadamente com os poetas e as casas e as fundações e o turismo literário e os museus e as instituições, era uma decadência insuportável de prémios a la garde e premiados couvert, não se aguentava tanto amiguismo, tanta associação, tanto clube, tanto nepotismo, só me apetecia contratar o Prigozhin para varrer do planeta este lixo de edições avulsas sem nexo, resmas de papel que nem para limpar cus, arranha-céus de canhenhos e memórias e poesias superficiais, entulho sobre entulho destinado à reciclagem, na pior das hipóteses, à incineração, na melhor. Mas encontrei uma solução para a moléstia. Fui ao Leroy Merlin, comprei ferramentas e dediquei-me à bricolage. Hoje arranjei o roupeiro. Sinto-me realizado, o mundo já não é tão mau quanto parecia. Às vezes, as melhores soluções são as mais simples.