sábado, 19 de agosto de 2023

UM POEMA DE RICARDO GIL SOEIRO

 


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Breve é a vida dos insectos.
Mal se alcança o troféu de um fulgor discreto,
logo é hora de partir rumo a incógnita morada.
Assim que se amadurece algum talento,
eis que tudo se desmorona de repente.
Solta-se uma pata, fura-se uma asa.
Oito olhos já não vêem como dantes.
Fraquejam as antenas e até o exoesqueleto,
outrora fiel escudo contra rigorosas intempéries,
já não protege como soía.
E o que dizer da nossa argúcia,
soçobrando perante a frágil
jangada dos sentidos?
Triste fortuna a nossa:
ser do tempo predilecto brinquedo,
florescendo num cemitério de ampulhetas.
Tudo passa tão depressa: 
refém do traço, o rigor do rapto.
Esfuma-se o gesto,
o pouco que foi tanto.
Mas tudo vale a pena,
quando, à beira do fim,
me olhas com essa ternura desavinda
de um deus benigno; e, claudicando
por entre o aconchego dos teus dedos,
me sinto desperto para um último esplendor.

Só para que saibas:
é para nós que brilham as estrelas.

Ricardo Gil Soeiro, in Pirilampos - política das sobrevivências, Assírio & Alvim, Fevereiro de 2022, pp. 62-63.

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