sexta-feira, 18 de agosto de 2023

UM POEMA DE TATIANA FAIA

 


(Fotografia respigada no weblog modo de usar & co.)

italiano na grécia

7.

marguerite yourcenar publicou memórias de adriano
pouco menos de uma década 
depois de vittorio sereni ter visto
o fim do mundo a partir
de uma estação de comboios
no porto de atenas

e qualquer um deles podia estar a tentar falar
da maneira como nos é explicado
que hécuba passa da felicidade à infelicidade
em a fragilidade do bem:

que sempre que aceitamos uma paixão
nos agarramos à possibilidade de uma perda

mas o que hécuba escolhe
ao lamentar a morte de um neto e de um filho
a meio de um monólogo em eurípedes
é apenas aceitar a própria tristeza

ou talvez chegar a uma consciência de felicidade
que se prolonga até incluir a tristeza e a perda
como quem entende finalmente 
que se existe sempre até ao último minuto
até ser completamente noite
sobre um campo aberto

hécuba
diz martha nussbaum
em a fragilidade do bem
faz então a escolha que lhe resta
e decide lembrar-se
do que é uma vida bem vivida:
o amor que a une aos outros
a cuidadosa descrição dos corpos
que lhe são mais caros
o laço que a une a alguns deveres
um sentido do valor da coragem
em condições cruéis

e numa linguagem talvez fora de moda
que me faz pensar em marguerite yourcenar
também eu imagino que hécuba
tentou fazer algum bem
entre as pessoas que amou
e esperou 
no fim
um funeral decente

Tatiana Faia, in Adriano, não (edições), Novembro de 2022, pp. 41-42.

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