Na época do grande projecto alexandrino, não existia nada
parecido com o comércio internacional de livros. Estes podiam comprar-se em
cidades com uma longa vida cultural, mas não na jovem Alexandria. Os textos
contam que os reis usaram as enormes vantagens do poder absoluto para
enriquecerem a sua colecção. Confiscavam o que não podiam comprar. Se fosse
preciso cortar pescoços ou arrasar colheitas para ficarem com um livro
cobiçado, dariam a ordem para o fazerem dizendo a si próprios que o esplendor
do seu país era mais importante do que os seus pequenos escrúpulos.
A vigarice, como é óbvio, fazia parte do repertório de
coisas que estavam dispostos a fazer para conseguirem atingir os seus
objectivos. Ptolomeu III ansiava ter as versões oficiais das obras de Ésquilo,
Sófocles e Eurípedes conservadas no arquivo de Atenas desde a sua estreia nos
festivais de teatro. Os embaixadores do faraó pediram os valiosos rolos
emprestados para encomendarem cópias aos seus minuciosos amanuenses. As
autoridades atenienses exigiram a exorbitante fiança de quinze talentos de
prata, que, hoje em dia, equivale a milhões de dólares. Os egípcios pagaram,
agradeceram com pomposas reverências, fizeram solenes juramentos de devolverem
o empréstimo antes de passarem — digamos — doze luas, ameaçaram-se a si
próprios com cruéis maldições se os livros não voltassem em perfeito estado e,
de seguida, evidentemente, apropriaram-se deles, renunciando ao depósito. Os
dirigentes de Atenas tiveram de suportar a ofensa. A orgulhosa capital dos
tempos de Péricles tinha-se convertido numa cidade provinciana de um reino
incapaz de rivalizar com o poderio do Egipto, que dominava o comércio dos
cereais, o petróleo da época.
Irene Vallejo, in “O Infinito Num Junco – A invenção do
livro na Antiguidade e o nascer da sede de leitura”, tradução de Rita Custódio
e Àlex Tarradellas, Bertrand Editora, Outubro de 2020, p. 16.
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