sexta-feira, 8 de setembro de 2023

O GRANDE PROJECTO ALEXANDRINO

 
   Na época do grande projecto alexandrino, não existia nada parecido com o comércio internacional de livros. Estes podiam comprar-se em cidades com uma longa vida cultural, mas não na jovem Alexandria. Os textos contam que os reis usaram as enormes vantagens do poder absoluto para enriquecerem a sua colecção. Confiscavam o que não podiam comprar. Se fosse preciso cortar pescoços ou arrasar colheitas para ficarem com um livro cobiçado, dariam a ordem para o fazerem dizendo a si próprios que o esplendor do seu país era mais importante do que os seus pequenos escrúpulos.
   A vigarice, como é óbvio, fazia parte do repertório de coisas que estavam dispostos a fazer para conseguirem atingir os seus objectivos. Ptolomeu III ansiava ter as versões oficiais das obras de Ésquilo, Sófocles e Eurípedes conservadas no arquivo de Atenas desde a sua estreia nos festivais de teatro. Os embaixadores do faraó pediram os valiosos rolos emprestados para encomendarem cópias aos seus minuciosos amanuenses. As autoridades atenienses exigiram a exorbitante fiança de quinze talentos de prata, que, hoje em dia, equivale a milhões de dólares. Os egípcios pagaram, agradeceram com pomposas reverências, fizeram solenes juramentos de devolverem o empréstimo antes de passarem — digamos — doze luas, ameaçaram-se a si próprios com cruéis maldições se os livros não voltassem em perfeito estado e, de seguida, evidentemente, apropriaram-se deles, renunciando ao depósito. Os dirigentes de Atenas tiveram de suportar a ofensa. A orgulhosa capital dos tempos de Péricles tinha-se convertido numa cidade provinciana de um reino incapaz de rivalizar com o poderio do Egipto, que dominava o comércio dos cereais, o petróleo da época.
 
Irene Vallejo, in “O Infinito Num Junco – A invenção do livro na Antiguidade e o nascer da sede de leitura”, tradução de Rita Custódio e Àlex Tarradellas, Bertrand Editora, Outubro de 2020, p. 16.

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