terça-feira, 26 de setembro de 2023

PORTUGUESES DE BEM, IMIGRANTES BONS, CIGANOS EXEMPLARES

 


   Os ciganos estavam mesmo à entrada do cemitério, tinham arranjado um pequeno mercado com bancas de madeira e mantas estendidas no chão.
   Desci do táxi e disse ao homem para ficar à minha espera. O largo estava deserto e os ciganos dormiam estendidos no chão. Aproximei-me da banca de uma velha cigana vestida de preto com um lenço amarelo na cabeça. Na banca dela estava um monte de camisolas Lacoste impecáveis, só não tinham o crocodilo no seu lugar. Cigana, chamei, quero fazer compras. O que é que tu tens, meu filho?, perguntou a Velha Cigana ao ver a minha camisa, estás com sezões ou quê? Não sei o que é que tenho, cigana, respondi, tenho estado a suar como um cavalo, preciso de uma camisa limpa, talvez de duas. Depois eu digo-te o que é que tu tens, disse a Velha Cigana, depois eu digo-te, mas agora compra as camisas, meu filho, não podes ficar nestas condições, o suor que seca nas costas faz adoecer. O que é que me aconselhas, perguntei, uma camisa ou uma camisola? A Velha Cigana pareceu reflectir um instante. Aconselho-te uma camisola Lacoste, disse depois, são as mais fresquinhas, se queres uma Lacoste falsa custa quinhentos escudos, uma autêntica custa quinhentos e vinte. Caramba, disse eu, uma Lacoste por quinhentos e vinte escudos parece-me muito barata, mas qual é a diferença entre a falsa e a autêntica? Para teres uma Lacoste autêntica é simples, disse a Velha Cigana, primeiro compras a falsa, que custa quinhentos escudos, depois compras o crocodilo, que custa vinte escudos e que é autocolante, colas o crocodilo no seu lugar e aí tens uma camisola autêntica. Indicou-me um saquinho cheio de crocodilos. Aliás, disse, por vinte escudos dou-te quatro crocodilos, meu filho, assim ficas com três de reserva, que muitas vezes estes autocolantes são chatos porque se descolam.
 
Antonio Tabucchi, in “Requiem – Uma alucinação”, 1.ª edição na Dom Quixote, Abril de 2007, 6.ª edição, Fevereiro de 2023, pp. 25-26.

1 comentário:

Anónimo disse...

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