quinta-feira, 21 de setembro de 2023

SCROLLING

 
Em 1992, quando entrei na universidade, o mundo parecia diferente. Os smartphones eram uma miragem. A internet já aí estava, mas lenta como um caracol e exígua como uma despensa. Ainda entreguei os primeiros trabalhos escritos à mão, depois batidos à máquina. Só mais para o final, no terceiro ou quarto ano, tive computador. Havia dois canais de televisão em Portugal. O mundo parece ter mudado radicalmente em 31 anos, mas, bem vistas as coisas, estávamos no termo de um século com duas guerras mundiais, 50 anos de ditadura em Portugal, país de analfabetos e de gente a passar fome e a dormir em pocilgas. Os problemas são sempre os mesmos, desde Homero que os problemas são os mesmos. A diferença agora é que estamos constantemente, descontinuadamente, a levar com os problemas do mundo em cima. Já não nos chegam apenas pelas páginas dos jornais ou pela rádio ou por dois canais de televisão. Andam connosco no bolso, fazem-nos companhia nas redes sociais, mamamos com eles a toda o instante por via de centenas de canais ao dispor. Parecem mais próximos, ainda que a tendência seja para nos distanciarmos. A indolência será um escudo contra o excesso de exposição à miséria. O modo de percepcionar o mundo é totalmente diferente, pelo que as soluções para os problemas também terão de vir a ser necessariamente diferentes. Chegará o dia em que teremos de proibir a escravatura voluntária a que tanta gente se sujeita, condenando-as a serem livres, obrigando-as a serem pessoas em vez de títeres nas mãos dos mercados. As mãos dos mercados são os "media". Teremos, em breve, clínicas de desintoxicação da mais perniciosa droga do nosso tempo: o scrolling.

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