Se for inofensivo, então não é arte. A arte decorativa só assim é chamada para disfarçar lacunas. Arte que não apele ao pensamento, arte que não instigue a dúvida, arte que abdique de um sentido crítico do mundo, não é arte. Pode exaltar o pasmo de quem se deslumbra com o espalhafatoso, mas não é arte. As sandálias da Vasconcelos, feitas de tachos e panelas, não são arte. São só uma coisa engraçada que causa espanto no público pela dimensão, uma coisa inócua como outras da mesma artista, invariavelmente apresentada como autora de objectos grandiosos. Objectos que não inquietam o pensamento, estão tão desprovidos de reflexão como os tachos e as panelas vazios, enfiados uns nos outros. As botas do Van Gogh são arte, as sandálias da Vasconcelos são um brinquedo, um lego. Há uma arte conceptual que é difícil de entender, a maioria do público sente dificuldade em perceber que uma tela monocromática possa ser arte. A arte conceptual, geralmente, mas nem sempre, desafia os paradigmas da arte questionando conceitos chave tais como os de tempo, espaço, peso, medida, perenidade versus efemeridade, movimento, representação e mimese, impressão, expressão, etc, etc, etc. Ora, artistas como a Vasconcelos abdicam disto tudo em prol de um sucesso que se limita a dar resposta às preferências do poder: obras esvaziadas de conteúdo, objectos que não firam susceptibilidades, que não coloquem o dedo nas feridas, que não questionem, que simplesmente ilustrem para agrado dos olhos e adesão das massas. Não tem originalidade nem génio, repousa instalada entre as experiências multimilionárias de Damien Hirst e a pop lúdica de Takashi Murakami. A arte não é um candelabro gigantesco que adorne os salões oponentes do poder, essa opulência que tanto assombro causa a quem sinta ou tenha sentido as misérias da vida. O que faz dos frescos da Capela Sistina arte não é o terem respondido a encomendas do poder, é o modo como responderam, causando polémica, alimentando debates, instigando a dúvida, instaurando controvérsia, conservando-se ainda hoje misteriosos em múltiplos aspectos. Ora, broches na lapela do poder não são arte. São meros objectos ornamentais. O erro mais crasso que podemos cometer ao avaliar uma obra artística é considerá-la em função da sua popularidade, como se estar em todo o lado fosse sinal de alguma qualidade que escapa aos outros desgraçados que não estão em lado nenhum. Várias obras têm tentado desmistificar e desmontar o mercado da arte no nosso tempo, demonstrando por A + B como tantas vezes o resultado do sucesso não vem senão de uma terrível subserviência ao poder menosprezando o papel essencial da arte: ser motor de dinâmicas críticas num certo tempo histórico. O mercado adora artistas como a Vasconcelos, que, de mãos dadas com o poder que promovem deixando-se promover por ele, fazem umas coisas giras e engraçadas, do agrado geral por serem anódinas e inócuas, para entretenimento dos olhos cansados de quem se exime de pensar o mundo por não querer sofrer com isso. Mero entretenimento na sociedade do espectáculo, na era do vazio, no império do efémero, mais nada.
2 comentários:
Na mouche.
Apelar ao pensamento é um conceito difuso pois depende do indivíduo que pensa. Os indivíduos pensam de maneira diferente por isso temos de aceitar que o que é arte para uns não o é para outros. Eu penso que a Joana faz arte, talvez porque sou mulher, talvez porque não pense direito, embora nada disso tenha realmente interesse, apenas que alguém pasme outro alguém e o faça pensar.
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