Como se formam grupos terroristas?
Nascem de quê? Quais as circunstâncias que levam alguém a optar pelo terror
como arma de luta? Qual a melhor forma de combater o terrorismo?
O meu pai diz-me que foi combater para
África convencido de que ia combater terroristas. Era o que lhe diziam, a ele e
a outros soldados recrutados para defender as ex-colónias dos povos indígenas
naturais dessas terras. Massacres como o de Wiriyamu eram vistos em Portugal
como direito de defesa contra os terroristas das palhotas africanas.
Nascido já depois do 25 de Abril, desde
cedo me habituei a ouvir falar de terrorismo em Portugal. Ele eram as FP-25 por
cá, a ETA em Espanha ou o IRA irlandês. Cada um destes grupos tem as suas
especificidades, mas não nascerão todos de uma razão semelhante?
Mais recentemente, convém lembrar o caso
Al-Qaeda. O seu histórico líder, Osama bin Laden, era apresentado no The
Independent de 1993 como um herói que combatia as forças do mal, o exército
soviético. Isto foi antes do ataque ao World Trade Center em 2001. Depois, o
herói transformou-se em monstro. Este discurso de "monstrificação"
das víboras que se voltam contra os encantadores é muito comum e nunca traz
grande proveito.
Reconhece-se hoje quão errado é não
encarar Hitler como um ser humano, como se os seres humanos não fossem capazes
das lógicas destrutivas mais horríveis. São. Também para os nazis os judeus não
eram humanos, eram pulgas. Esta desclassificação do outro que se nos opõe,
reduzindo-o a insecto, vírus ou monstro a abater também é muito comum. Serve
tanto para justificar o comércio de escravos como genocídios, duas invenções
humanas, demasiado humanas.
As consequências do 11 de Setembro são
sabidas, nomeadamente a invasão de um Iraque humilhado por uma coligação — EUA,
Inglaterra, Espanha, Portugal — fundamentada numa mentira. Lembram-se do
discurso de Harold Pinter na atribuição do Nobel da Literatura? Dizia ele que «a
generalidade dos políticos, tanto quanto nos é dado observar, interessam-se não
pela verdade mas pelo poder» Nenhum dos responsáveis pela devastação do Iraque
foi responsabilizado, nenhum foi julgado. Antes pelo contrário, vivem todos
bem, ocupando cargos de prestígio que não agitam consciências.
De um Iraque arruinado nasceu o Estado
Islâmico e do nascimento do Estado Islâmico nasceram e continuam a nascer
muitas mortes. É assim, há víboras que se voltam contra os encantadores.
Também o Hamas deu jeito a Israel como
forma de enfraquecimento da OLP, que havia abandonado a luta armada
reconhecendo o Estado de Israel no início da década de 1990. Afirma o The Times
of Israel que «o governo de Benjamin Netanyahu permitiu que malas com milhões
de euros em dinheiro do Catar entrassem em Gaza através dos seus postos de
fronteira desde 2018, a fim de manter o frágil cessar-fogo com os dirigentes do
Hamas na Faixa de Gaza.» O Catar, esse país onde se joga à bola em estádios
erguidos com o sangue de miseráveis. Mas isso agora não interessa.
Não esquecer igualmente os editoriais do
Haaretz responsabilizando Netanyahu pela guerra com o Hamas. Vale a pena ler o
artigo de Adam Raz intitulado "A Brief History of the Netanyahu-Hamas
Alliance".
Grupos que adoptam o terror como
estratégia não nascem do nada, não são aberrações geradas por um ventre
extraterrestre. O discurso de humanos contra monstros pode servir os interesses
de quem se recusa a ponderar, reflectir, pensar estes assuntos numa lógica
racional, optando pelo sensacionalismo populista que atrai facilmente
simpatias, alimenta redes sociais, mas nunca deixa de ser frágil e nada
resolve. Antes pelo contrário, só exacerba ódios que obstaculizam vias para a
resolução dos problemas.
Entretanto, uma certeza: os milhares de
crianças esmagadas pelos bombardeamentos em Gaza não têm culpa nenhuma destes
jogos sujos nem da retórica que os sustenta. São vítimas humanas de um terror
humano, demasiado humano.
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