Eleições na Argentina, entrevistam um eleitor com mais de
80 anos: "Atravessei várias ditaduras no meu país mas nunca vi nada como
hoje. Há muito populismo, o mundo é complexo e é preciso pensar. As pessoas não
foram educadas a pensar." Eu tenho pensado neste tipo de discurso
aplicando-o ao caso português. Será que há 50 anos, com indicadores de analfabetismo
muito superiores aos de hoje, as pessoas estavam mais preparadas para pensar?
Afinal, o que ganhámos com isso a que chamam habilitações literárias? Será o
presente assim tão negro quando comparado com esse passado em que, por exemplo,
estávamos em guerra com as ex-colónias? O que tem de complexo este mundo que no
passado não tinha? Era mais simples? Leio os gregos e fico com a ligeira
sensação de que a complexidade do mundo sempre andou por aí, mais tirania,
menos democracia, mais escravatura, menos burguesia, mais proletariado, menos
nómadas digitais. Talvez a questão do pensamento deva ser aprofundada, talvez a
massa crítica tenha dado lugar ao conformismo. Mas depois vejo essa malta das
lutas pelo clima, pela habitação, por uma vida melhor e fico com dúvidas. Se
calhar o que verdadeiramente mudou foi a nossa percepção do mundo. Estarmos a
levar com ele constantemente, envolto numa deprimente nuvem de ruído, talvez
isso contribua para um tipo de percepção para o qual os mais velhos não estavam
preparados e os mais novos ainda se estão a preparar. Talvez.
A escultura é de Emanuele Giannelli (Roma, 1962) e estava em San Quirico d'Orcia. Chama-se "Gravity" (2023). Procurem na net outros trabalhos dele que por certo não darão o tempo por perdido.
1 comentário:
É um assunto interessante e merece ser ponderado. Não tenho 80 anos, mas pelo que ouço, uma das causas da confusão actual prende-se com o fato de que há 60 ou 70 anos, as pessoas tinham uma noção do seu próprio conhecimento e, ao se compararem com os que frequentavam escolas e universidades, humildemente se consideravam ignorantes. O que me parece erróneo. Nos dias de hoje, a grande maioria das pessoas não encontra espaço para a humildade e, portanto, acredita que sabem de tudo. São doutores, doutorandos e doutorados. São acumuladores de informação porque foram instruídos dessa forma. Há uma falta de capacidade para avaliar a própria ignorância. Foi investido muito na acumulação de informações e, como isso não se trata de conhecimento (pois são coisas distintas), tiveram que renunciar à consciência da própria ignorância e humildade. A acção mais subversiva que se pode tomar hoje é levantar uma questão que conduza à consciência sobre um determinado assunto.
Saúde!
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