Vem num poema de Mahmoud Darwich: «O que farão os sobreviventes da velha terra?» Imaginemos o dilúvio, a humanidade arrastada pela desilusão divina, tudo destruído para de novo ser criado. Um renascimento, portanto. Um recomeço. Apliquemos o exercício, para não complicar muito, às nossas vidas. Não é bem poder voltar ao passado para refazer o que julgamos menos bem feito, as decisões de que nos arrependemos pelas consequências acarretadas. É mesmo regressar ao ventre, nascer de novo, ser mais uma vez parido. Seria a nossa vida a mesma vida? O que mudaria? Cometeríamos os mesmos erros? Tomaríamos as mesmas decisões? Repetir-se-ia a história? Mais do que a possibilidade de nada mudar, aflige-me a hipótese de em tudo quanto já foi feito não repousar um grama de vontade própria. Essa possibilidade de um destino traçado, fatal como a morte, desmoraliza-me diante do futuro. Quero acreditar que tudo seria diferente, não para melhor, não para pior, apenas diferente.
segunda-feira, 23 de outubro de 2023
IMAGINEMOS O DILÚVIO
Vem num poema de Mahmoud Darwich: «O que farão os sobreviventes da velha terra?» Imaginemos o dilúvio, a humanidade arrastada pela desilusão divina, tudo destruído para de novo ser criado. Um renascimento, portanto. Um recomeço. Apliquemos o exercício, para não complicar muito, às nossas vidas. Não é bem poder voltar ao passado para refazer o que julgamos menos bem feito, as decisões de que nos arrependemos pelas consequências acarretadas. É mesmo regressar ao ventre, nascer de novo, ser mais uma vez parido. Seria a nossa vida a mesma vida? O que mudaria? Cometeríamos os mesmos erros? Tomaríamos as mesmas decisões? Repetir-se-ia a história? Mais do que a possibilidade de nada mudar, aflige-me a hipótese de em tudo quanto já foi feito não repousar um grama de vontade própria. Essa possibilidade de um destino traçado, fatal como a morte, desmoraliza-me diante do futuro. Quero acreditar que tudo seria diferente, não para melhor, não para pior, apenas diferente.
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