sábado, 9 de dezembro de 2023

DOIS POEMAS DE LUCI ROMERO

 


OS IMPERADORES DE INVERNO
 
«Deves aprender a viver como se não existisses.»
Aconteceu no Oeste, de Sergio Leone
 
Os imperadores de inverno
instalam-se na planície, profanando
o estado de sítio.
                        Acumulam fortunas
cultivando a fera que repousa na selva,
por outros é agora queimada a terra morta.
 
Candeias de azeite ligam
os gritos soltos que protegem o arrojo
            do desconhecido — esse poema da exploração —.
 
Recompor o mal, para afastá-lo.
 
Os imperadores de inverno
estão envoltos em névoa. A planície, pedra fria
que não permite que lhe toquem nas costas.
 
Sem ritual, o seu aspecto é o menos,
            a fera
            que protege a casa, a que restaura a ordem,
            a que beija os pés aos imperadores
            de inverno,
 
não tocará trombetas no abandono, nem na dispersão
            será berço e vento,
            esqueleto e guarida,
            voz e morte.
 
E os imperadores de inverno
serão fronteira móvel, mito em viagem
                                                           e multidão
sedenta, que virá a esvaziar as fontes,
a encher os sulcos e a limpar detritos.
 
Os imperadores de inverno
desconhecem os verdadeiros limites da fronteira.
 
*
 
O ANIMAL SELVAGEM
 
A epopeia não existe. Não existe
como era — como modo
de enobrecer a história —.
Onde se refugiaram os heróis
da nossa infância?
 
E eu, respondo:
— Migram de estado em estado. Na verdade,
escondem-se debaixo do tapete.
 
É fácil
pensar onde estivemos, ainda que
tudo seja parte de um acordo. Algo
acordado nos nossos pesadelos.
 
E digo-me:
— Não existe limpeza no futuro, porque
não a há na história que o alimenta.
 
No fundo, continuamos a ser
uma parte daquele animal selvagem.
 
Luci Romero (Cabra, Espanha, 1980) publicou os livros “Autovía del Este” e “El Diluvio”. Em 2010, obteve o prémio La Voz + Joven de La Casa Encendida. É livreira, uma das proprietárias da livraria Bartleby. Estes dois poemas foram incluídos no livro “Western”, colecção Krámpack da Editorial Delirio, Salamanca, 2016, uma pequena maravilha escrita em Março de 2015 no Desierto de Tabernas, Almería. Quase todos os poemas têm epígrafes que remetem para diálogos em westerns históricos, ponto de partida de versos sobre o espectáculo do mundo e as suas encruzilhadas.

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