sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

PRÉMIO PESSOA PARA TOLENTINO

Não ligo a prémios, são só medalhas por bom comportamento. Mas tenho uma coisa a dizer: um país que despreza Alberto Pimenta ou Fernando Guerreiro bem merece todos os meninos bem comportados deste mundo que fazem da literatura um lenitivo inócuo e um placebo anódino contra as ameaças de uma sociedade cada vez mais agressivamente desinteressada. Remédio? Passar ao lado, não vá o vírus do cânone infectar-nos os pulmões. Ámen.

A metáfora do anódino, como compreenderão, não pressupõe nenhuma cura para o cancro do pensamento. O que está em causa é a opção que fazemos para o combater: podemos rezar a Maria ou estimular os neurónios do espírito crítico. Ler Tolentino é rezar a Maria, ler Pimenta é estimular a razão crítica. Podemos também colocar o problema da seguinte forma: para quê ensinar Camões na escola se temos o Chagas Freitas à mão? Se Camões não cura, o outro que divirta. E siga para bingo.

Tive uma educação católica, fui baptizado e fiz a primeira comunhão (impelido pela mãe). Faltei o mais que pude à catequese e repudiava a confissão. Licenciei-me na Universidade Católica Portuguesa, onde José Tolentino Mendonça era capelão. Foi-me apresentado pelo Gonçalo Salvado, colega de curso, e comecei a lê-lo ainda antes de "Longe não sabia" (1997) haver sido publicado. Como poeta, sempre o achei medíocre. Como ensaísta e cronista, é um catequista exímio na manipulação das ferramentas retóricas missionárias que impuseram a Igreja Católica Apostólica Romana no mundo e ainda hoje seduzem muitas boas almas. Interessa-me tanto como os datados do neo-realismo, ou seja, nada. Isto é matéria de literatura, não é matéria espiritual ou política. Pasolini e Ruy Belo, dois católicos, são pilares essenciais da minha formação. Se querem um escritor português católico decente, leiam José António Almeida. Talvez lendo ambos se torne mais simples perceber o que num há de palavreado catequista e no outro há de profunda inquietação espiritual.

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