Não ligo a prémios, são só medalhas por bom comportamento. Mas tenho uma coisa a dizer: um país que despreza Alberto Pimenta ou Fernando Guerreiro bem merece todos os meninos bem comportados deste mundo que fazem da literatura um lenitivo inócuo e um placebo anódino contra as ameaças de uma sociedade cada vez mais agressivamente desinteressada. Remédio? Passar ao lado, não vá o vírus do cânone infectar-nos os pulmões. Ámen.
A metáfora do anódino, como compreenderão, não pressupõe
nenhuma cura para o cancro do pensamento. O que está em causa é a opção que
fazemos para o combater: podemos rezar a Maria ou estimular os neurónios do
espírito crítico. Ler Tolentino é rezar a Maria, ler Pimenta é estimular a
razão crítica. Podemos também colocar o problema da seguinte forma: para quê
ensinar Camões na escola se temos o Chagas Freitas à mão? Se Camões não cura, o
outro que divirta. E siga para bingo.
Tive uma educação católica, fui baptizado e fiz a
primeira comunhão (impelido pela mãe). Faltei o mais que pude à catequese e
repudiava a confissão. Licenciei-me na Universidade Católica Portuguesa, onde
José Tolentino Mendonça era capelão. Foi-me apresentado pelo Gonçalo Salvado,
colega de curso, e comecei a lê-lo ainda antes de "Longe não sabia"
(1997) haver sido publicado. Como poeta, sempre o achei medíocre. Como ensaísta e
cronista, é um catequista exímio na manipulação das ferramentas retóricas
missionárias que impuseram a Igreja Católica Apostólica Romana no mundo e ainda
hoje seduzem muitas boas almas. Interessa-me tanto como os datados do
neo-realismo, ou seja, nada. Isto é matéria de literatura, não é matéria
espiritual ou política. Pasolini e Ruy Belo, dois
católicos, são pilares essenciais da minha formação. Se querem um escritor
português católico decente, leiam José António Almeida. Talvez lendo ambos se
torne mais simples perceber o que num há de palavreado catequista e no outro há
de profunda inquietação espiritual.
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