sábado, 16 de dezembro de 2023

O TEMPO DA VIDA QUOTIDIANA

 


«O tempo da vida quotidiana no mundo moderno revela-se-nos, por conseguinte, inquietantemente ambivalente, neste momento em que o crescimento máximo de um tecido urbano se acompanha (e implica) de um recalcamento maciço das suas possibilidades revolucionárias. O quotidiano é o tempo do acontecimento, do que transborda a funcionalidade do sistema dominante, tempo da história e do desejo, das encruzilhadas inesperadas, do nascimento e da morte. Mas é também o tempo mínimo da sobrevivência após a perda do tempo superiormente programada, o tempo do «consumo forçado» e da reprodução em cadeia. À redução da incomensurabildiade intensiva - da singularidade em devir - da paisagem urbana corresponde o tempo medido pelo horário de trabalho, tempo da transformação da habitação em alojamento, tempo cujo presente asfixia, tornando-se ausente a si próprio, abstracção de si próprio, à falta da recordação e da utopia que são a fonte viva do desejo, e do projecto em aberto que ressuma da elaboração da sua experiência inacabável.»

Miguel Serras Pereira, in Outra Coisa: Poesia, Psicanálise e Política - Algumas Linhas, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Setembro de 1983, p. 143.

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