domingo, 4 de fevereiro de 2024

A GUERRA NO HORIZONTE

O crescimento da extrema-direita e do populismo não pode espantar-nos, é da sua natureza crescer onde a democracia é mal tratada, onde as assimetrias na distribuição da riqueza se agravam, onde a percepção de que a justiça, também ela rendida ao populismo, não funciona, onde a corrupção, que enche a boca dos populistas, como se estes fossem impolutos, é parangona diária nos meios de comunicação social. Outros problemas haverá que explicam tal crescimento, sobretudo entre os mais jovens, mas creio que na base do chamado descontentamento social está mais o sentimento de injustiça do que qualquer outro. É verdade que a esmagadora maioria dos cidadãos não vota nesses partidos, uma grande parte dos cidadãos nem sequer vota, vive de costas voltadas para a democracia a queixar-se da democracia. E entre os que votam, a maioria ainda está com as liberdades fundamentais, não se revê no discurso xenófobo da extrema-direita nem nas tácticas do populismo. Percebe haver aí um pretexto para meter um pé no poder e as duas mãos no bolo. Com um Presidente da República ele mesmo populista, durante anos promovido na comunicação social como a inteligência parda de que o país carecia, os afectos fazem a sua escola, os beijinhos e os abraços, a simpatia, o discurso de sedução publicitário, o oportunismo. Muita gente sente-se atraída por estas formas de queridismo que as redes sociais ajudam a sedimentar, esvaziando de conteúdo conceitos e valores fundamentais como amizade, partilha, gosto, amor, liberdade, dar um toque. Os maus tratos infligidos à democracia em 50 anos de governação socialista, social democrata e centrista resultaram numa burguesia comodamente instalada no seu viver mediano, encalhada onde está sem daí poder sair, e numa vasta camada da população com uma percepção do estado do país que os média contaminam e as redes intoxicam. É óbvio que não vivemos assim tão mal quanto se diz, os festivais de Verão esgotam, as praias enchem, os bancos lucram, os restaurantes não têm mãos a medir no trabalho, o turismo de massas transformou o país num sommelier serviçal. O Estado paga mal, é problema antigo, as famílias sentem o sufoco das despesas fixas e do endividamento. E há os pobres, claro, esses sem os quais nem ricos nem remediados se safam. 17% da população, ao que dizem as estatísticas, os tais que vivem com cerca de 600€ por mês. Ou menos. São uma minoria, mas são muitos. São mais do que é aceitável quando olhamos para as notícias sobre os lucros dos bancos e a promiscuidade entre políticos e empresários e salários auferidos nas TAP deste país desgraçadamente desigual. Mas esta desigualdade, estas assimetrias, não são por acaso. Têm uma razão de ser. Chama-se capitalismo. Não tem outro nome. O capitalismo selvagem a que as democracias liberais, como a nossa, se renderam, o capitalismo a que as sociais-democracias se renderam. O capitalismo a que o próprio comunismo chinês se rendeu. Não vale a pena tapar o sol com a peneira procurando disfarçar o indisfarçável, só com uma distribuição mais justa da riqueza é que as nações reencontrarão alguma paz. Para isso, é preciso combater eficazmente a corrupção com uma justiça que, em vez de inconsequentemente populista, seja eficaz. Não sendo esse o caminho, o horizonte será novamente o das tiranias e das ditaduras, o da guerra.

2 comentários:

Anónimo disse...

Quando a própria justiça é corrupta, que fazer?

Anónimo disse...

O problema maior vai além do capitalismo porque qualquer sistema é antes de mais um teste à natureza do ser: esse, atualmente, a verdadeira crise. Andamos à deriva nos nossos valores.