A discussão sobre medicina entre Argão, “O Doente
Imaginário”, e Beraldo, seu irmão, é muito interessante, até pelo modo como
Molière se mete lá pelo meio ironizando as críticas de que era alvo à época,
mas eu gosto mesmo é deste breve trecho em que Argão revela à sua segunda
mulher a intenção de fazer um testamento. Os comentários de Belina são um
tratado acerca do amor nas boas famílias:
ARGÃO: É preciso fazer o meu testamento da forma que o
Senhor Boafé sugere, amorzinho, mas, por precaução, quero pôr nas vossas mãos
vinte mil francos em ouro, que estão nos lambris da minha alcova, e duas letras
ao portador, uma do Senhor Damão e outra do Senhor Geronte.
BELINA: Não, não, não quero nada disso. Ah! Quanto dizeis
que há na vossa alcova?
ARGÃO: Vinte mil francos, amorzinho.
BELINA: Não me faleis mais de dinheiro, peço-vos. Ah! De
quanto são as duas letras?
ARGÃO: Uma de quatro mil francos e outra de seis, minha
doçura.
BELINA: A riqueza toda do mundo nada é para mim comparada
connosco, doçura minha.
Molière, in “O Doente Imaginário”, tradução de Alexandra
Moreira da Silva, Húmus, Novembro de 2014, p. 56.
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