O que eu não teria dado para ver isto representado no
Théâtre du Palais-Royal, lá pelos idos de 1663. Molière a fazer de Molière. A
peça, "O Impromptu de Versalhes", tinha como motivo principal atacar
os críticos do estilo de Molière, servindo-se o próprio de um estratagema
simples mas eficaz: pôs-se em cena, com a sua trupe, a dirigir um espectáculo
que é um ensaio de uma peça em que os rivais saem caricaturados. A propósito de
famílias, este diálogo de Molière, ele mesmo, com a sua mulher em cena e na vida
real, a actriz Armande Béjart:
MOLIÈRE: Calai-vos, minha mulher, sois uma besta.
MLLE MOLIÈRE: Muitíssimo obrigado, senhor meu marido. É mesmo assim: o casamento muda as pessoas e não me teríeis dito tal coisa há dezoito meses atrás.
MOLIÈRE: Calai-vos, peço-vos.
MLLE MOLIÈRE: É estranho que uma pequena cerimónia seja capaz de nos privar de todas as nossas belas qualidades, e que um marido e um galã olhem para a mesma pessoa com olhos tão diferentes.
MOLIÈRE: Tanto discurso!
MLLE MOLIÈRE: Por mim, juro que se fizesse uma comédia fá-la-ia sobre este tema. Justificaria as mulheres de muitas das coisas de que as acusam; e faria temer aos maridos a diferença que vai das suas maneiras bruscas às civilidades dos galãs.
MOLIÈRE: Aiii! Deixemos isso, agora. Não há tempo para conversas: temos mais que fazer.
Molière, in "O Impromptu de Versalhes", trad. João Paulo Esteves da Silva, TNDM II & Bicho-do-Mato, 2016, pp. 11-12.
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