Molière é o nome artístico de Jean-Baptiste
Poquelin, nascido em Paris no ano de 1622. Filho de um estofador com o cargo de
“valet de chambre” e tapeceiro do rei Luís XIV, ficou órfão de mãe com apenas
dez anos de idade. Conta-se que desde cedo ganhou familiaridade com o teatro,
levado pela mão do avô a ver os grandes comediantes italianos e os trágicos da
época no Teatro de Bourgogne. Em 1633, entrou no curso de Humanidades do Collège
de Clermont, uma prestigiada escola de jesuítas frequentada pela nobreza e pela
alta burguesia. Aí completou a sua formação em 1639, adquirindo posteriormente
do pai o título de Tapissier du Roi. Isto permitiu-lhe ter contacto com o
elegante Rei Sol de França, numa época de intensa criatividade teatral. Frequenta
o ambiente teatral travando conhecimento com Tiberio Fiorilli, dito
Scaramouche, actor italiano de commedia dell’arte. Conhece também uma jovem
actriz, Madeleine Béjart, de quem se torna amante e com quem constituirá a sua
primeira trupe, o Illustre Théâtre, depois de renunciar formalmente à herança
do cargo do pai.
Estávamos
em 1643, a trupe actua na província, apresenta-se em Paris, Poquelin torna-se
autor, actor, director e administrador da companhia que, em 1645, entra na
bancarrota. É a partir desta altura que muda o nome para Molière, após algumas
semanas de prisão por causa de dívidas. Libertado com a ajuda do pai, partiu em
turnê pelo interior de França como comediante itinerante. Foram cerca de 14
anos encenando adaptações de farsas italianas. A companhia fica conhecida como
Troupe de Monsieur de Prince de Conti, referência ao mais eminente dos seus mecenas
e protectores: o Príncipe de Conti, governador do Languedoc. Regressa a Paris
em 1658, apresentando no Louvre a tragédia “Nicomède”
de Corneille e a farsa “Le docteur amoureux”. O sucesso da segunda abre-lhe as
portas do teatro Petit-Bourbon, que repartirá com a companhia italiana de Scaramouche.
A companhia de Molière passa a ser conhecida como Troupe de Monsieur, sendo Monsieur o irmão do rei Luís XIV. A 18 de Novembro de 1659 estreia “Les Précieuses ridicules”, primeira incursão na crítica aos modos afectados da época. A peça alcança enorme sucesso e inspira polémica, chegando a ser inicialmente proibida. Seguiu-se “Sganarelle ou le Cocu imaginaire” (1660), tributo à commedia dell’arte e ao mestre com quem Molière partilhava a sala do Petit-Bourbon. A hipocrisia, a falsidade nas relações humanas, o adultério, a traição, o ciúme, a intriga palaciana, o arrivismo, são temas nas peças de Molière que vão alimentar várias inimizades, muitas querelas, inveja e rivalidade. “L’École des maris” (1661) e “L’École des femmes” (1662), já no Théâtre du Palais-Royal, instigaram ainda mais as intrigas e os libelos.
Molière, entretanto, casara com a actriz Armande Béjart, vinte e três anos mais nova, julgando tratar-se de uma irmã de Madeleine Béjart. Ao que consta, seria filha. O facto foi aproveitado pelos rivais para o criticarem, aumentando o número de inimigos. Diziam que havia casado com uma filha. Valeu-lhe o rei, de quem havia recebido uma inusitada pensão, e cujo apoio se manifestou publicamente ao aceitar ser padrinho do primogénito do dramaturgo. “Tartuffe” (1664), encenado em Versalhes, multiplicou as calúnias, tornando-se no maior escândalo da carreira artística de Moliére. O clero, sentindo-se atingido, tomou posição conseguindo a proibição da peça. Seguiu-se “D. Juan” (1665), baseada numa peça de Tirso de Molina, igualmente interdita de imediato.
Da amizade com o compositor italiano Jean-Baptiste Lully surgiram “Le Mariage force” (1664) e “L’Amour médecin” (1665). Também com música de Lully, “George Dandin ou le Mari confondu” (1668), foi mostrada pela primeira vez no Palácio de Versalhes durante Le Grand divertissement royal. Tanto “Le Misanthrope” (1666) como “Goegre Dandin” terão sido peças pouco apreciadas no seu tempo, ao contrário de outras comédias que deixavam perceber nas entrelinhas ataques pessoais e crítica de costumes. A última colaboração com Lully foi o ballet trágico “Psyché” (1671), escrito com a ajuda de Thomas Corneille, irmão de Pierre. Nesse mesmo ano morreu Madeleine Béjart, perda que terá contribuído para agravar o estado de saúde de Molière, propenso à melancolia.
“Le malade imaginaire” (1673) foi o seu trabalho derradeiro, acabando por tombar em palco, no papel principal, o de doente, em estado de profunda fadiga. Acabou por falecer algumas horas depois em casa. Diz Rubem Fonseca: «Molière morreu às dez horas da noite do dia 17 de Fevereiro de 1673, uma sexta-feira, um mês antes de completar cinquenta e dois anos. / Os comediantes, por exercerem uma profissão considerada infame, são excomungados. Conforme as decisões da Prelazia de Paris, não se pode dar comunhão a pessoas publicamente indignas e manifestamente ignóbeis como as prostitutas, os usurários, os feiticeiros e os comediantes. (Por algum motivo misterioso, os cantores de ópera não sofrem estas restrições.) A todos esses réprobos são negados a extrema-unção e o sepultamento eclesiástico, mas os comediantes podem obtê-los caso se retratem dos seus erros e prometam, de maneira solene e veraz, renegar a sua abjecta profissão. / Molière não havia feito essa renúncia e não podia ser sepultado em cerimónia cristã. Os adversários do teatro, notadamente todos aqueles que execravam o autor de Tartufo e D. Juan e haviam conseguido a interdição das suas peças, exigiam que se impedisse a realização da cerimónia. (…) O certo é que o rei gostava de Molière, tanto que aceitara ser padrinho do seu filho Louis, que morreu com poucos meses de idade. Certamente foi para agradar ao rei que o arcebispo de Paris, mesmo tendo revogado a comunhão realizada pelo abade Bernard, permitiu, afinal, que o comediante fosse enterrado no cemitério de St. Joseph, na parte reservada aos suicidas e crianças pagãs, sob a condição de que isso fosse à noite, sem nenhuma pompa, com a presença de apenas dois padres. / Às nove horas da noite, Molière foi enterrado. Ficara insepulto três dias. La Fontaine, Mignard e Boileau, entre outros amigos dele, estavam presentes (…)».
A companhia de Molière passa a ser conhecida como Troupe de Monsieur, sendo Monsieur o irmão do rei Luís XIV. A 18 de Novembro de 1659 estreia “Les Précieuses ridicules”, primeira incursão na crítica aos modos afectados da época. A peça alcança enorme sucesso e inspira polémica, chegando a ser inicialmente proibida. Seguiu-se “Sganarelle ou le Cocu imaginaire” (1660), tributo à commedia dell’arte e ao mestre com quem Molière partilhava a sala do Petit-Bourbon. A hipocrisia, a falsidade nas relações humanas, o adultério, a traição, o ciúme, a intriga palaciana, o arrivismo, são temas nas peças de Molière que vão alimentar várias inimizades, muitas querelas, inveja e rivalidade. “L’École des maris” (1661) e “L’École des femmes” (1662), já no Théâtre du Palais-Royal, instigaram ainda mais as intrigas e os libelos.
Molière, entretanto, casara com a actriz Armande Béjart, vinte e três anos mais nova, julgando tratar-se de uma irmã de Madeleine Béjart. Ao que consta, seria filha. O facto foi aproveitado pelos rivais para o criticarem, aumentando o número de inimigos. Diziam que havia casado com uma filha. Valeu-lhe o rei, de quem havia recebido uma inusitada pensão, e cujo apoio se manifestou publicamente ao aceitar ser padrinho do primogénito do dramaturgo. “Tartuffe” (1664), encenado em Versalhes, multiplicou as calúnias, tornando-se no maior escândalo da carreira artística de Moliére. O clero, sentindo-se atingido, tomou posição conseguindo a proibição da peça. Seguiu-se “D. Juan” (1665), baseada numa peça de Tirso de Molina, igualmente interdita de imediato.
Da amizade com o compositor italiano Jean-Baptiste Lully surgiram “Le Mariage force” (1664) e “L’Amour médecin” (1665). Também com música de Lully, “George Dandin ou le Mari confondu” (1668), foi mostrada pela primeira vez no Palácio de Versalhes durante Le Grand divertissement royal. Tanto “Le Misanthrope” (1666) como “Goegre Dandin” terão sido peças pouco apreciadas no seu tempo, ao contrário de outras comédias que deixavam perceber nas entrelinhas ataques pessoais e crítica de costumes. A última colaboração com Lully foi o ballet trágico “Psyché” (1671), escrito com a ajuda de Thomas Corneille, irmão de Pierre. Nesse mesmo ano morreu Madeleine Béjart, perda que terá contribuído para agravar o estado de saúde de Molière, propenso à melancolia.
“Le malade imaginaire” (1673) foi o seu trabalho derradeiro, acabando por tombar em palco, no papel principal, o de doente, em estado de profunda fadiga. Acabou por falecer algumas horas depois em casa. Diz Rubem Fonseca: «Molière morreu às dez horas da noite do dia 17 de Fevereiro de 1673, uma sexta-feira, um mês antes de completar cinquenta e dois anos. / Os comediantes, por exercerem uma profissão considerada infame, são excomungados. Conforme as decisões da Prelazia de Paris, não se pode dar comunhão a pessoas publicamente indignas e manifestamente ignóbeis como as prostitutas, os usurários, os feiticeiros e os comediantes. (Por algum motivo misterioso, os cantores de ópera não sofrem estas restrições.) A todos esses réprobos são negados a extrema-unção e o sepultamento eclesiástico, mas os comediantes podem obtê-los caso se retratem dos seus erros e prometam, de maneira solene e veraz, renegar a sua abjecta profissão. / Molière não havia feito essa renúncia e não podia ser sepultado em cerimónia cristã. Os adversários do teatro, notadamente todos aqueles que execravam o autor de Tartufo e D. Juan e haviam conseguido a interdição das suas peças, exigiam que se impedisse a realização da cerimónia. (…) O certo é que o rei gostava de Molière, tanto que aceitara ser padrinho do seu filho Louis, que morreu com poucos meses de idade. Certamente foi para agradar ao rei que o arcebispo de Paris, mesmo tendo revogado a comunhão realizada pelo abade Bernard, permitiu, afinal, que o comediante fosse enterrado no cemitério de St. Joseph, na parte reservada aos suicidas e crianças pagãs, sob a condição de que isso fosse à noite, sem nenhuma pompa, com a presença de apenas dois padres. / Às nove horas da noite, Molière foi enterrado. Ficara insepulto três dias. La Fontaine, Mignard e Boileau, entre outros amigos dele, estavam presentes (…)».
Rubem Fonseca, in O Doente Molière, Sextante Editora, Abril de 2020.
Sem comentários:
Enviar um comentário