N.º 1. CORNUDO PRÉVIO, ou ANTECIPADO, é aquele cuja
mulher teve amores antes do sacramento e não leva aos esposo a virgindade.
«Sê-lo apenas prévio é coisa que lhe não pesa», afirma Molière. Nota: Não são
considerados prévios os que souberam de tais amores pretéritos e, apesar deles,
acharam por bem casar-se; ou se juntaram a viúvas; ou, sabendo de anteriores
galanterias, a elas se acomodaram.
N.º 3. CORNUDO IMAGINÁRIO é o que o não sendo, ainda, já
se desola acreditando sê-lo. Como o PRESUNTIVO (n.º 2), sofre de mal imaginário
antes do real. [Molière retratou-o numa das suas peças, “Sganarelle ou le cocu
imaginaire”.
N.º 36.CORNUDO APÓSTATA, ou TRANSFUGA, é o que tendo sido
um modelo de razão, reconhecendo e publicitando que no casamento tudo são cornos,
prevenindo os outros contra a armadilha conjugal, acaba em ceder-lhe de cabeça
baixa e sofrer todas as fraquezas que anteriormente assinalava e denunciava. É
um apóstata do bom senso e trânsfuga obstinado. Também assim Molière, que tanto
esclareceu e tirou ilusões à confraria para acabar, ele próprio, enrolado da
maneira mais estúpida e alvo dos ridículos que soubera pôr em cena.
N.º 46. CORNUDO PROPRIAMENTE DITO, ou DESESPERADO, é o
George Dandin de Molière. A este inflige a sua mulher todas as atribulações
imaginárias enganado-o, arruinando-o, maltratando-o, ultrajando-o, fazendo-o
encontrar no casamento a forma de ir direito ao céu depois de transformar este
mundo em purgatório.
N.º 52. CORNUDO PEDAGOGO, ou PRECEPTOR, é o que Molière
pintou nas duas peças de teatro “A Escola das Mulheres” e “A Escola dos Maridos”,
um esquinanto responsável pela formação do novo rebento. Mas certo é Agnés,
destinada a partilhar do seu leito, encontrar outro homem capaz de
ministrar-lhe lições a que dará melhores ouvidos. Na espécie existem muitos
filósofos habituados a cortejar as mães para casar com as filhas
incorruptíveis, na sua opinião, já que as formaram eles próprios pelo método
das percepções de intuição de sensação. O pior é quando surge o portador de uma
teoria de sensações menos sabiamente analisadas, concordemos, mas ainda assim
mais inteligíveis pelo belo sexo!
Charles Fourier, in “Quadro Analítico da Corneação”,
trad. Aníbal Fernandes, colecção contramargem, & etc, Janeiro de 1980; “Dos
cornudos: suas espécies e tipos”, trad. Helder Guégués, Cavalo de Ferro, Maio
de 2004.
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