No metro, em Paris,
entraste numa carruagem e sentaste-te num assento desdobrável. Três estações
mais tarde, veio sentar-se um sem-abrigo ao teu lado. Cheirava a queijo, a
urina e a merda. Hirsuto, virou-se para ti, fungou várias vezes e disse: «Huuuumm,
cheira a perfume de velha.» Tinhas-te perfumado de manhã, antes de sair. Por
uma vez, um sem-abrigo fazia-te rir. Habitualmente, esse género de personagens
inquietava-te. Não te sentias ameaçado, nenhuma desventura te havia sucedido
por causa de algum deles, mas temias acabar da mesma forma. Contudo, nada
justificava o teu receio. Não eras solitário, pobre, alcoólico, abandonado.
Tinhas uma família, uma mulher, amigos, uma casa. Não tinhas falta de dinheiro.
Mas os sem-abrigo eram como os espectros anunciadores de um dos teus fins
possíveis. Não te identificavas com as pessoas felizes, e, no teu exagero,
projectavas-te naqueles que tinham falhado em tudo, ou que não tinham tido
sucesso em nada. Os sem-abrigo encarnavam essa fase última de um declínio para
o qual a tua vida podia tender. Não os vias como vítimas, mas como os autores
da sua própria vida. Por mais escandaloso que isso possa parecer, acreditavas
que alguns sem-abrigo tinham escolhido viver assim. Era o que mais te
desassossegava: que um dia pudesses escolher degenerar. Não abandonares-te, o
que seria apenas uma forma de passividade, mas quereres descer, degradares-te,
tornares-te uma ruína de ti mesmo.
Édouard Levé, in Suicídio, tradução de Diogo Paiva,
Cutelo, Abril de 2024, pp. 54-55.
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