FEIRA DO RELÓGIO
Passos errantes e ciganos, como uma cortina que se abre. Música cigana encontra o tom proibido da pele, mulheres bonitas de longos vestidos e saltos altos. Uma tão bela, que a seu lado dois homens parecem disputá-la no volume crescente da voz. Uma outra bancada de cassetes, mais música. T-shirts, gangas e sapatos. Estes o que eu procuro. Olho atentamente os exemplares e, a um sinal transmitido por fios invisíveis, da bancada ao lado desaparecem relógios e ténis. Tão rapidamente que quando olho para ela já só vejo a madeira de um sonho que acorda. Dois polícias passam devagar. Um, de meia-idade, seguro pela experiência e pela farda, o outro, mais magro e novo, que olha em volta como se visse mais do que a razão que o põe ali. Nada mais se ouve, senão a música com raça, tão apaixonada como os dois homens. Uma espera.
Depois os relógios e os ténis reaparecem na teimosia da viola no coração dos ciganos. Eu escolho um par de sapatos, pago com a vergonha sem raça do dinheiro e continuo a subir. À vista do bairro da pantera cor-de-rosa, a beleza de um rosto nobre riscada pelo esquecimento, um homem de ombros largos apregoa lençóis, a voz eléctrica de um microfone abotoado à boca das ilusões que se repetem de terra em terra. Desço a mesma encosta para a saída da feira, a entrada de um país que a custo me envolve.
Foram baratos os sapatos. E partiram pela sola antes que deixassem de me magoar os pés. Encontrei, num outro dia, numa outra nação, uns sapatos semelhantes numa montra, tão iguais quanto possível. Pelo dobro orgulhoso do preço.
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