(…) Sempre chamei ao meu pai «Pa’»,
apócope de «Pai», como é costume nas terras pisanas situadas nos confins da
região de Lucca, onde cresci. Quando estava na universidade e começava a
estudar português, disse um dia ao meu pai que a palavra portuguesa pá é, nessa
língua, uma interlocução amigável cujo sentido se perdeu, que denota a
afabilidade entre duas pessoas, e cuja etimologia é a contracção da palavra
rapaz. Era a única palavra portuguesa que o meu pai conhecia. E quando eu lhe
chamava pa’, ele também me chamava pá. Era um jogo secreto entre nós os dois,
um idiolecto clandestino que utilizávamos com uma malícia quase infantil,
porque, quando nos chamávamos reciprocamente por esta palavra na presença de
outras pessoas, estas julgavam que se tratava da mesma palavra, mas eu sabia
que o meu pai, ao pronuciá-la, lhe punha mentalmente um acento agudo, e ele
sabia que eu lhe punha mentalmente o apóstrofo da apócope. Era a utilização
diferenciada de uma palavra homófona: eu chamava-lhe «Pai» e ele chamava-me
«rapaz».
Antonio Tabucchi, in Um universo numa
sílaba – Vagabundagem à volta de um romance, tradução de Pedro Tamen, incluído
em Requiem – Uma alucinação, Publicações Dom Quixote, 6.ª edição, Fevereiro de
2023, pp. 150-151.
1 comentário:
wow!!!!
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