É aqui que encontramos Josef e a sua história ao longo de
16 páginas. Quando a mãe de Josef morreu de parto, o rapaz, nascido em 1900,
foi dado pelas organizações religiosas para adopção a uma família de
acolhimento. Tinha sete anos. Cresceu, como qualquer adolescente, só que sob
suspeição e vigilância das missões sempre suspeitosas das criançãs da sua etnia
("tinham no sangue" o nomadismo, a pouca vocação para o trabalho e a
inquietude, quando não a propensão para a vigarice e criminalidade, segundo as
crenças da época) e no final da adolescência já tinha sido marcado pela
comunidade local como problemático. Quando não como delinquente. Jovem adulto,
os seus crimes montavam já a ter roubado de uma barrica ou balde (em
ajuntadilha com outro) uns arenques, ter escavacado um ancinho e ter feito um
corte numa mochila. Tais delitos, mais o defeito de ser respondão e irreverente,
foram suficientes para o enviar para a prisão no início dos anos vinte. E da
prisão para o asilo, porque agora na prisão juntava-se ao anterior estigma dos
zelotas religiosos a ciência dos zelotas da higiene racial. O diagnóstico
médico dava-o como atrasado mental. E aí, no asilo, passou grande parte
(segunda metade) da década de 1920, com tratos de animal irracional.
Libertado, voltou às imediações de Dokka, à paróquia de
Østsinni, onde se tornou trabalhador florestal. Como era hábito na época, os
trabalhadores viviam em pequenas cabanas provisórias, de reduzida dimensão,
aquando dos cortes de madeira. Josef, não tendo a quem voltar e suspeitoso da
sociedade (com boas razões, já que a sua etnia foi perseguida, as crianças
retiradas aos pais, os adultos enviados para campos de trabalho, acabando a
última humilhação na proibição de ter cavalos - quando ao longo de séculos
tinham sido os melhores fornecedores de cuidados veterinários, a ponto de o
exército não passar sem eles especialmente nos séculos XVII e XVIII) foi
ficando. E encontrou nos pequenos abrigos a sua casa. Passou a viver isolado,
de cabana em cabana, em espaços diminutos 10, 15 metros quadrados (coisa que
pode ter as suas conveniências quando no inverno os termómetros passam dos 20 negativos)
numa vida espartana, a partir de dado momento subsistindo de caça e pesca,
visitado apenas por amigos fiéis de forma esporádica.
O que é curioso na história de um homem com este tipo de
vida e neste tipo de isolamento em que passou a viver durante as décadas de 30,
40 e 50, é que Thor Gotaas o descreve, intitulando até com essa característica
um sub-capítulo, como leitor voraz = cavalo de leitura = lesehest. Lia de tudo
o que apanhava. Jornais, poesia, romances, monografias sobre natureza. Os seus
autores preferidos, Hans Børli, o poeta norueguês que melhor cantou as
florestas e Mikkjel Fønhus* romancista que tinha na natureza selvagem e nos
cenários das florestas os seus temas favoritos. Viveu anónimo, mas imagino que
os seus autores favoritos não teriam desdenhado saber que tinham um leitor
assim (…). Olhando a história de Josef no livro de Gotaas, ilustrado pelas
belíssimas fotografias que lhe tirou Arne Rignes, o título do subcapítulo
(lesehest - cavalo de leitura) e os testemunhos de amigos fiéis que o
descreveram como homem inteligente e sensível, dou comigo a pensar que os
leitores ideais destas páginas teriam sido os zelotas da religião e da higiene
racial que o classificaram de atrasado mental e que o privaram de liberdade
durante quase uma década. Já é tarde. Mas servem de exemplo a outros. E aqui
fica.»
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