TRILHO E QUEDA
Uma mulher grávida passa nas ruas.
O ventre saído os pés na sombra de uma estrela cadente
imperceptível ainda.
O corpo inchado de suspeitas por
trucidar a extensão ao caminho rasurado
ao olhar dos vizinhos
a pele fecunda na memória de tuas mãos frias
atiçando-me fogo aos cabelos.
As mulheres grávidas passam sempre nas ruas
têm sempre tanto que fazer as mães grávidas.
Com elas desfaz-se o pó na via o conforto da espera
socorre o rosto protegido levanta o pó no ar.
As grávidas engolem o pó das vidas e passam nas vias
e são todas feitas de pó e trilho e queda
cadentes.
Somos sempre anteriores a nós e a luz dobra mal dobrada
a camisa para a mãe ter a atenção
delicada descosida a atenção física e insolúvel das mães.
Tudo de um certo modo incerto
pois as mães grávidas trazem a luz nos dedos
na cabeça a razão decorada
para logo a apagar um dia quando partem loucamente as mães
sem deixar escritas possíveis.
As mães partem um dia sempre inesperado
desordenado coxo magoado incompreensível.
E o nosso corpo cresce para os seus corpos de mãe escurecendo
o nosso corpo cresce para as ruas higienizadas que nos não cabem
na ausência da mãe tornada.
Na luz há contudo a precisão das mães
de serem sempre as mulheres grávidas a passar nas ruas
a falar de dentro cheias de afazeres despercebidos
o queixo ponderado na azáfama difusa
a cor inerte dos frutos
na banca que a mãe concerta por trocar
a mão ao fruto que não queria afinal pegar.
Eles dão à falha o delírio pontuado da esperança
as mães trilho e queda
cadentes.
Depois é a beleza
as mães mesmo mães são elas a gravidez
das ruas de quando passaram certo dia
certamente as mães pacientes
quando foram mães e não sabiam e o pó levantou-se do chão
e os frutos inertes os mesmos de há séculos
refulgiram na banca nas mãos
semeadas, as mães.
Maria Brás Ferreira, in Rasura, Fresca, Poetria, Agosto de 2021, pp. 76-77.
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