“Faith”, The Cure.
Quem diria que aos cinquenta
iria voltar a ouvir The Cure com o mesmo entusiasmo dos dezassete. Acontece que
“Songs of a Lost World” (2024) é muito bom, quase tão bom quanto “Faith” (1981)
e “Pornography” (1982), álbuns de que o mais recente se aproxima depois da
deriva pop inaugurada com “Kiss Me, Kiss Me, Kiss Me” (1987). A epígrafe de
John Keats, poeta romântico inglês, é pertinente introdução a um conjunto de
temas que tem como mote o fim, a morte, o desaparecimento. «This is the end»,
começa por cantar Robert Smith depois de um intróito de três minutos em
ambiente etéreo. A raiz gótica pós-punk mantém-se viva, sobretudo no
extraordinário “Drone:Nodrone”. Reeves Gabriels, que tocou com David Bowie,
oferece precioso contributo nas guitarras. Lê-se por aí que as letras deste
álbum foram inspiradas na obra do decadentista Ernest Dowson, prematuramente desaparecido,
o que me deixa com vontade de explorar o escritor inglês. Na sua extrema
simplicidade, as letras de Smith dão testemunho da mais complexa das
experiências humanas, a percepção do fim que se aproxima e do tempo que passou
e do passado irremediável: «I waste all my world like this / intending time and
memories / and all for fear of what I’ll find / if I just stop / and empty out
my mind / of all the ghosts / and all the dreams»… Singrando no caudal neo-romântico
e nostálgico das melodias, estas palavras transportam-me para a mais essencial
das aprendizagens que podemos fazer enquanto por cá andamos: é que vamos deixar
de andar. A partir daqui, desta consciência nítida da finitude, talvez uma
certa modéstia possa ajudar-nos a não sofrer tanto com as reservas do futuro.
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