Aconteceu numa outra vida, vai fazer vinte anos, e foi
assim porque tinha de ser. Mero acaso de um destino que nos leva por aí a fazer
coisas que nem sabemos como nem onde nem porquê. O Nuno desafiou-me para
leituras na Galeria Zé dos Bois. O Pedro não queria ou não podia, lá fui com a
guitarra a tiracolo e o velho Peavey, pesado que nem chumbo, ao ombro.
Juntou-se a nós a Adília, que acompanhei à guitarra depois de um chouriço
assado no Clandestino do Martins. Também já cá não está. Recordo uma mulher com
os olhos colados ao fogo, é aquele olhar que perdurará na minha memória. Nunca
mais estivemos juntos, nunca mais falámos. Gosto de algumas coisas que
escreveu, não tenho paciência para outras. Detestei vê-la no Herman aquando da
edição da “Obra” pela Mariposa Azual, não merecia o trato imbecil do humorista.
Entre o que mais gosto dela, há aquela arte poética rigorosa que diz tudo
quanto é preciso dizer acerca da sua obra:
Os poemas que escrevo
são moinhos
que andam ao contrário
as águas que moem
os moinhos
que andam ao contrário
são as águas passadas
Gostava da Adília Lopes, estou convencido de que é caso
único na poesia portuguesa. Às vezes leio por aí "poemada" para as
feridas e digo a mim mesmo: lembra-me Adília. Isto quer dizer qualquer coisa.
Curiosamente, ainda hoje me aconteceu isso ao ler um brasileiro do meu ano
chamado André Dahmer. Mas isso é outra história.
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