terça-feira, 3 de dezembro de 2024

TRISTE SINA

 
É uma chatice este desperdício do ímpeto celebrativo que contamina a vetusta nação, levando a que quase invariavelmente se passe ao lado da discussão dos problemas em benefício da distribuição de abraços, apalpadelas, muito amor e amizade desprovidos de autenticidade. Tudo para inglês ver e o pito egóico consolar.
Tope-se, a título de exemplo, como os putativos 500 anos de Camões passaram ao lado da utilização da épica para glorificação de uma história colonialista que ainda hoje assoma à boca de muita gentalha. Ontem, num programa humorístico desgraçadamente sem graça, lá apareceu um a advogar que "a xenofobia salva vidas" porque, presumo, nos faz desconfiar dos terríveis malfeitores que vêm de fora. Infelizmente, não nos protege dos estúpidos que temos cá dentro.
Os 50 do 25A são mais um exemplo de como se consegue passar ao lado do que é relevante, aquela matéria que nos prepara para o futuro e a poucos parece importar. O rissol na cocktail party é mais relevante.
Mais do que a vontade de derrubar um regime bafiento, foi a guerra colonial que motivou a revolução militar. Era essencial perceber porquê, mostrar aos de hoje o que andámos a fazer nas ex-colónias, os crimes de guerra por nós perpetrados, essas coisas de que pouco se fala para não assumirmos o racismo que nos corre nas veias. Enquanto estes problemas não forem clara e abertamente discutidos, sob pretexto de feridas saradas que mais não são do que pensos rápidos em gangrenas, vamos continuar a ter quem defenda a xenofobia como disfibrilhador.
As celebrações, neste país, são sempre areia atirada aos olhos do ceguinho, regada a beijinhos, abraços, condecorações, chantilly nos egos das elites para lambidelas movediças. Triste sina.

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