Memórias de quando um livreiro, a propósito do
padecimento de Vargas Llosa - escritor que muito vendi, mas nunca li.
− Tem aquele livro que é escrito por um ratinho?
*
− Só tem estes livros do Stilton?
− Temos mais no backoffice. São cerca de 30. Procura
algum em especial?
− Tem o primeiro?
− Sim.
− E o segundo?
− Sim.
− Tem o terceiro?
− O terceiro não.
− Ah! Era mesmo esse que eu queria.
− Podemos encomendar.
− Deixe lá, levo os dois últimos.
− São para oferta?
− Sim, em separado e com laços diferentes.
− Só temos balões.
− Então pode ser um de cada cor.
− Este pode ser roxo?
− Não tem antes vermelho?
− Sim. E o outro pode ser azul?
− Não tem cor-de-rosa?
− Com certeza.
− Já agora meta-me os livros em sacos diferentes, por
favor.
− Muito bem.
− Toma, filha. São para ti. Este é a tia que oferece. E
este é a prima.
*
− Tem a biografia do Beckham?
− Penso que não, mas vou verificar.
− Era mesmo só para saber a idade dele. Não pode ver no
Google?
*
− Vocês no Natal tinham aqui um livro que a capa era o
livro que se metia lá dentro e depois o livro lia sozinho. Ainda têm algum?
*
Uma senhora entra esbaforida pela loja adentro à procura
do último livro do Salazar. Assim mesmo: do Salazar. A memória do livreiro até
não é má, mas saber qual o último livro de Salazar não é pêra doce. Percorridos
os arquivos, encontra-se vária literatura pouco recomendável. Estaria a senhora
a referir-se a "Como se Levanta um Estado?" Ou, quem sabe, a
"Não Discutimos a Pátria?" Eis senão quando, a cliente encontra o
livro desejado, ergue-o ao alto como quem levanta um ceptro e grita para toda a
gente ouvir: está aqui. Eureka, pensa o livreiro, que, com o queixo caído de
estupefacção, olha o livro e não quer acreditar no que vê: "A Vida Num
Sopro", de José Rodrigues dos Santos.
*
Uma professora pretende livros de poesia para oferecer
aos felizes contemplados de um concurso realizado na escola onde lecciona. Quer
livros em conta que possam ser do agrado dos jovens. Feitas as sugestões,
ponderados todos os prós e todos os contras, acabou a senhora professora por
levar duas edições de bolso (uma dos "Sonetos" de Florbela e outra do
"Só" de António Nobre) mais dois livrinhos de Sophia. Também levou um
exemplar d’ "Os Dias do Amor" para oferecer a si mesma. Enquanto eu
desenrascava os embrulhos, as lamentações do costume. Que os meninos agora não
lêem, não escrevem, estão viciados no hi5, nas sms e nos msn, que só querem
playstations e livros à distância de planetas inalcançáveis. Queixumes não
muito diferentes de um outro professor que procurava os kamassutras da Alicia
Gallotti, talvez igualmente para oferta em concursos de carácter pedagógico.
Mas este amigo juntava à “cambada de burros” (expressão dele para se referir
aos alunos) o laissez-faire dos encarregados de educação. Contava:" Uma
até desculpou a falta de trabalhos de casa com o cansaço do catraio. Como é
possível um puto de 11 anos andar cansado? E depois há as mamãs que levam umas
meninas muito gordinhas para o ballet à espera que elas emagreçam ou venham a
dar em bailarinas." Coragem alunos, com professores destes estão
perdoados.
*
— Tem "A República" do Sócrates?
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